Orlando Tapajós sucedeu Dodô e Osmar e modernizou trios elétricos, inventados há 75 anos
Por João Pedro Pitombo/Folhapress em 04/03/2025 às 11:28

O fim da Segunda Guerra Mundial selou o destino do garoto. Orlando Campos de Souza tinha 12 anos quando se juntou aos vizinhos para celebrar o fim do conflito em 1945. Com uma panela de alumínio, improvisou uma batucada, fazendo um Carnaval fora de época nas ruas de Periperi, subúrbio de Salvador.
A comemoração foi a gênese de um carnavalesco, que em 1951 viu entusiasmado os músicos Dodô e Osmar cruzarem a avenida na carroceria da Fobica, um Ford 1929. Os dois empunhavam instrumentos eletrificados, ligados a amplificadores, e eram acompanhados por uma multidão de foliões.
Não demoraria para Orlando ter um trio para chamar de seu: o Tapajós. Com um tempo, se tornaria uma figura central na modernização e na disseminação do trio elétrico, invenção que completa 75 anos neste 2025 como uma das maiores revoluções no modo de se fazer Carnaval do Brasil.
Foi Orlando, que ficaria conhecido como Orlando Tapajós, quem pegou o bastão de Dodô e Osmar na linha histórica dos trios elétricos da Bahia. Os pioneiros que vinham fazendo sucesso desde 1951 deixaram de desfilar no Carnaval dez anos depois, logo após a morte de Armando Meirelles, sogro de Osmar e incentivador do trio.
História de Orlando
Em 1955, Orlando trabalhava como açougueiro e era presidente do Flamenguinho Esporte Clube, em Periperi. Contratou um trio elétrico para animar uma festa, mas este não apareceu. Naquele momento, decidiu criar seu próprio veículo para o Carnaval do ano seguinte. Assim nascia o trio elétrico Tapajós.
Nesta época, vários grupos se espelharam no sucesso de Dodô e Osmar e criaram seus próprios trios elétricos, dentre eles o Cinco Irmãos, Tupi, Jacaré, Alvorada e Ypiranga. Mas o espírito irrequieto e inovador de Orlando fez ele dar passos além de seus concorrentes.
“Orlando Campos era detalhista e foi responsável por modernizar o trio elétrico. Ele deu uma roupagem diferenciada, com inovações na estrutura do trio e na parte instrumental”, explica o jornalista e pesquisador Perfilino Neto.
Uma das inovações foi substituir a carroceria de madeira por uma estrutura metálica, redimensionando o caminhão e fazendo um trio elétrico com formato mais próximo ao dos dias atuais.
Também foi o primeiro a criar um trio elétrico com banheiro – antes, o veículo tinha que fazer paradas estratégicas ao longo do percurso para que músicos e operadores pudessem ir a bares ou casas durante o desfile.
O tino comercial e a articulação política também foram marcas do carnavalesco. Nos cinco primeiros anos do Tapajós, o desfile do trio foi patrocinado pelo vereador Armando Ulm, com atuação no bairro de Periperi.
Nos anos seguintes, Orlando partiria para parcerias com a iniciativa privada, levando o Tapajós para tocar em micaretas no interior da Bahia. Em 1963, comprou a carroceria de um trio que era usado por Dodô e Osmar e desfilou com patrocínio de uma marca de refrigerantes.
O frevo era a trilha sonora dos desfiles, embalados pela música instrumental. Foi Orlando quem primeiro plugou um microfone em um trio elétrico, mas a função era meramente comercial: o equipamento era usado para narrar os reclames dos patrocinadores do desfile.
“Ele tinha o tino para o comércio. Para você bancar a construção de um trio, você precisa de grana. E Orlando foi o cara que foi atrás de patrocínio, transformou essa coisa toda em uma marca”, afirma o cantor e compositor Luiz Caldas.
Mais do que um construtor de trios elétricos, Orlando abraçava os devaneios carnavalescos. Na folia de 1972, construiu um trio elétrico em formato de nave espacial e batizou de Caetanave – homenagem a Caetano Veloso, que voltava para ao Brasil depois de um exílio de três anos em Londres. O trio entrou na praça Castro Alves tocando “Chuva, Suor e Cerveja”.
“Eu não sabia que o carro deles naquele ano levaria esse nome e, se já estava chorando quando o caminhão entrou na praça, dobrei o choro quando li a nova palavra escrita na proa da transcendental embarcação”, escreveu Caetano em texto na contracapa do disco “Caetanave”, do Trio Tapajós.
Nos anos seguintes, a novidade foi o trio elétrico Saborosa, em formato de garrafa, com patrocínio de uma marca de cachaça de mesmo nome.
Importância de Tapajós
Ao longo de sua trajetória, o Tapajós foi o responsável por lançar artistas como Luiz Caldas, que seria central na criação de um movimento musical que completa 40 anos. “O axé vem do trio elétrico, é um estilo que nasce ali. A semente da axé music estava dentro do trio elétrico de Orlando Campos”, diz Caldas.
Outro artista que debutou no trio Tapajós foi Bell Marques, que desfilou no Carnaval de 1979. Na época, ele era um dos líderes da banca Scorpions, que no ano seguinte se transformaria em Chiclete com Banana, grupo que se consolidaria como um dos ícones do Carnaval baiano.
Orlando Campos morreu aos 85 anos em junho de 2018 por complicações de um câncer, meses após ter sido homenageado em seu último Carnaval. Sua despedida foi marcada por um cortejo de trios pelas ruas de Salvador.
O trio elétrico segue como pilar do Carnaval 75 anos após a sua criação, sendo exportado para as festas de rua de cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Em Salvador, cerca de 200 trios devem participar da festa em 2025.