15/01/2022

De Olivia Rodrigo a Willow, geração Z ressuscita estilo emo e o som do pop punk

Por LUCAS BRÊDA / Folhapress em 15/01/2022 às 12:22

Divulgação
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Uma garota encara a câmera enquanto canta sobre um ex que a deixou e logo já está com outra, enquanto guitarras e baterias agitadas dão o clima da música. Na cena seguinte, ela compra gasolina para botar fogo no próprio quarto, que está cheio de pôsteres de bandas e filmes mal colados na parede.

Poderia ser uma cena típica de um clipe passando na MTV 15 anos atrás, mas se trata de “Good 4 U”, música de Olivia Rodrigo, cantora americana de 18 anos que foi uma das mais ouvidas no ano passado –inclusive no Brasil.

E a semelhança vai além do clipe. Depois do lançamento da faixa, Rodrigo teve de incluir integrantes do Paramore, banda que despontou no auge do sucesso do emo e do pop punk dos anos 2000, como coautores da música, já que muitas pessoas nas redes sociais vinham apontando semelhanças entre “Good 4 You” e o hit “Misery Business”, de 2007.

Rodrigo trouxe de volta às paradas de sucesso uma estética que era sucesso quando ela estava nascendo. E não é a única fazendo isso. Willow, a cantora de 21 anos que é filha de Will Smith, depois de lançar músicas de pop e R&B –ela é a voz do hit “Whip My Hair”–, já fez dois discos de punk desde 2020. A música mais conhecida dessa empreitada é “Transparent Soul”, um pop punk gritado com a cara dos anos 2000.

“O rock que a galera veio fazendo influenciada por hardcore e essas coisas alternativas, falando de maneira muito ampla, é a estética emo. É um jeito de se fazer melodia que não parece com Bon Jovi, Iron Maiden ou AC/DC. É uma coisa que entrou muito em voga no fim dos anos 1990 e começo dos 2000. Essa veia emo entrou até no pop. Se você ouvir o pop ali de 2004, tudo foi ficando semidark, os vídeos com estética azulada. Isso foi muito grande”, diz Lucas Silveira, vocalista do Fresno, banda ícone do emo nacional.

Mas essa volta do emo e do pop punk à música mainstream americana, processo que se acelerou durante a pandemia, já vem de alguns anos -e na voz de rappers. A partir de 2015, um tipo de hip-hop que emergiu na plataforma SoundCloud emprestava não só as melodias, mas o sentimento desses gêneros, do visual dos MCs à melancolia das letras.

Os três principais ícones desse movimento, XXXtentacion, Juice Wrld e Lil Peep, morreram há pouco de maneira precoce, todos antes de fazer 22 anos. A obra deles continua somando bilhões de visualizações, com um tipo de trap melancólico inegavelmente influenciado pelo emo e pelo pop punk –às vezes de maneira declarada, como na colaboração de XXXtentacion com o Blink 182.

“Normalmente, depois do que faz sucesso vem o tipo de som que era justamente o contrário disso. Por muito tempo imperou, até mesmo no indie, uma música feliz, de festa. Mas ao mesmo tempo, o emo não sumiu, ele só voltou para o nicho”, diz Silveira. “Antes desses astros do trap, ela apareceu no EDM [electronic dance music]. É só pegar o Skrillex ou umas músicas do Zedd, por exemplo.”

Hoje, a influência do emo e do pop punk pode ser vista de maneira diluída em outros gigantes do trap, como Post Malone, e essa conversa com o rap continua. Um dos sucessos da música americana atual, Machine Gun Kelly pausou uma carreira bem-sucedida no estilo para entrar de vez no mundo do pop punk. Com uma aparência que lembra mais um vocalista de banda de rock dos anos 2000 do que um rapper, ele faz praticamente um copia e cola dessa estética no disco “Tickets to My Downfall”, de 2020.

Nos Estados Unidos, o padrinho dessa nova cena é Travis Barker, o baterista do Blink 182 que mantém um diálogo frequente com o rap há décadas. Ele produz e toca em várias faixas de rock do álbum “Neon Dark”, que o rapper de 21 anos Trippie Redd lançou no ano passado, além de colaborar com Machine Gun Kelly, entre outros nomes.

“Misery Business”, a música do Paramore de 2007 que ressoa em Olivia Rodrigo, chegou às mais ouvidas do Spotify depois de fazer sucesso no TikTok. Não à toa, nesta semana, a banda liderada pela cantora Hayley Williams anunciou que estava de volta ao estúdio para gravar o primeiro disco em cinco anos.

E essa apropriação do emo e do pop punk pelas novas gerações vai além da música e do visual. Enquanto a geração Z já nasceu conectada à internet, essa cena de emo dos anos 2000 foi uma das primeiras que emergiu primeiro online para depois chegar aos meios tradicionais –gravadoras, rádios e TV.

Leandro Carbonato, que hoje é empresário na produtora Powerline Music, que produz bandas e traz shows internacionais de pop punk ao Brasil, trabalhou no site da Trama, que nos anos 2000 foi casa para diversos artistas do estilo. “Bandas como Dance of Days, Noção de Nada, NX Zero e Fresno foram entrando no site, que era como se fosse um embrião do Spotify. Você entrava lá e ouvia as músicas por streaming sem pagar nada. E as bandas recebiam. Isso é por volta de 2003 e 2004.”

Ele lembra que o Fresno fez o site cair de tanta audiência, antes de a banda assinar com uma grande gravadora e despontar no mainstream. “Isso porque era uma gravadora essencialmente de nova MPB. O dono era o João Marcelo Bôscoli, filho da Elis Regina. E de repente ela virou o nome mais importante desta cena”, ele diz.

“O que mudou foi a maneira como os fãs consomem o principal meio que leva esse subgênero para o público, que é a internet. Uma pessoa com 15 anos já nasceu conectada. Você vê as bandas com uns nomes que eu não sei pronunciar, abreviações. E hoje é normal. Você não tem um nome artístico, é o arroba-alguma-coisa.”

Lucas Silveira lembra que essa cena foi uma das primeiras que explodiu de maneira viral sem ter “um aval”. “Não foi porque tocou na MTV ou porque tocou no rádio. Isso foi uma consequência. Foi a primeira vez que essa galera se ligou que não estava no controle deles. Lembro de dar entrevistas nessa época e os jornalistas não sabiam do que se tratava.”

Na virada do século, quando as primeiras faixas do Fresno surgiram na internet, o consumo de música online era raro e restrito a jovens. “A pessoa tinha lá o MP3 do Armandinho e do Raimundos e, no meio, tinha um do Fresno. Não tinha distinção se era independente ou mainstream. Ninguém ouvia porque era muito alternativo –simplesmente ouvia.”

Hoje, o revival dessa música acontece com uma geração que nasceu quando ela estava no auge. “O pop punk é um tipo de música que fala com uma galera jovem, mais ou menos de 15 a 30 anos. Depois você continua gostando, mas tem outros interesses. Mas esse pessoal fica muito ligado nisso por conta da estética. É rebeldia, numa época da vida que você está contra seus pais, contra o sistema –o que quer que seja. E a estética acompanha isso, dos caras tatuados, hoje até no rosto, as jaquetas com patches.”

Mas há também um saudosismo de quem hoje já passou dos 30 e recupera um apego com a arte que marcou sua adolescência, dos discos do Simple Plan a filmes como “American Pie”.

“Sinto um revival de Fresno rolando. A gente se manteve com um público cativo, mas percebemos que para o grande público a gente não existia mais. Muitas bandas acabaram. Mas, desde mais ou menos 2019, tem um pessoal com saudade da adolescência, meio o que rolou com Sandy & Junior. Nosso show que dava 1.500 pessoas começou a dar 3.000, e não é porque a gente fez um hit. O trabalho estava bom, mas era o fã voltando a acompanhar depois de mais velho.”

Em novembro e dezembro, na breve volta aos shows ao vivo, Carbonato fez algumas apresentações da banda Bullet Bane, que ele produz, e percebeu um aumento no público. “Sempre foi uma banda que vendeu 200, 250 ingressos, e vendemos 600 na volta deles. E percebemos que tinha outro público –umas meninas de 15 e 16 anos chorando na frente do palco. É uma amostragem pequena, mas deu para perceber que é algo que está acontecendo.”

Na música mainstream brasileira, a estética ainda não está difundida, mas já é possível perceber algumas movimentações. Depois de anos tentando estabelecer uma carreira no pop, o ex-vocalista do NX Zero, Di Ferrero, lançou recentemente um single com guitarras e vocais do emo. O próximo Rock in Rio tem um dia inteiro praticamente dedicado ao estilo, com shows de Green Day, Fall Out Boy e Avril Lavigne.

Silveira, que hoje é também produtor e trabalha com cantoras pop, como Manu Gavassi, vê espaço para a estética na música mainstream brasileira –mas não como na americana. “Esses dias fui pegar autorização para um remix com a MC Danny, que está estourada no funk. E ela veio dizer ‘nossa, Fresno, ouvia para caramba’. Foi um negócio muito popular”, ele diz.

“Mas não existe mais aquilo de ‘bombou nos Estados Unidos, vai bombar no Brasil’. O brasileiro curte coisa brasileira. Existem pequenos estouros de música com guitarra, como [‘Nada Contra’] a da Clarissa, que bombou no TikTok. O Vitor Kley lançou uma música [‘O Amor Machuca Demais’] com uma pegada pop punk. Acho que para chegar no mainstream de verdade teria que ser alguém estabelecido no pop gravando algo nesse estilo –como se a Gloria Groove decidisse fazer um álbum de punk rock. Mas é algo que os produtores estão de olho.”

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