14/02/2022

100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922: o impacto de Pagu nos desdobramentos do movimento

Por Santa Portal em 14/02/2022 às 19:05

Foto: Divulgação
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A escritora, poetisa e jornalista Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, tinha apenas 11 anos quando o Theatro Municipal em São Paulo abriu suas portas para uma exposição de pintura e escultura, saraus e apresentações musicais de Villa-Lobos e Guiomar Novaes.

Hoje, 100 anos depois do início do evento que veio a ficar conhecido como Semana de Arte Moderna, é impossível não reconhecer Pagu como referência dos desdobramentos do movimento modernista.

Em entrevista ao Santa Portal, a biógrafa oficial de Pagu, Lúcia Teixeira falou um pouco sobre essa relação e o impacto nos desdobramentos do movimento modernista.

Educadora, escritora e biógrafa de Pagu (trilogia Viva Pagu, indicado ao prêmio Jabuti, Croquis de Pagu e Pagu – livre na imaginação, espaço e tempo), Lúcia Teixeira lança neste ano o livro Confidências Modernistas.

Dra. Lúcia Teixeira
(Foto: Divulgação)

Pagu sempre foi uma mulher muito à frente do seu tempo. Quais contribuições que você destaca que ela trouxe para o movimento modernista, mesmo não tendo participado da Semana de Arte Moderna de 1922?

Pagu (1910-1962) encarnou como ninguém a renovação proposta pelo Modernismo no Brasil. Surge na fase mais revolucionária do movimento, a Antropofagia, em 1929, apadrinhada pelo casal Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral e com o nome literário criado pelo poeta modernista Raul Bopp. Aparece com exercícios e desenhos na Revista da Antropofagia, publicada no Diário de São Paulo. A revista, veículo do movimento de mesmo nome, defendia uma assimilação dos valores estéticos de vanguarda, “digeridos” por um olhar “nativo” brasileiro.

Musa antropofágica, militante política, a primeira mulher presa no país por motivos políticos, a dissidente política, a incentivadora cultural, a mulher contraditória, a crítica contumaz, a jornalista antenada com o novo, em todas essas personas, ressaltou sempre a vanguarda. Sua vida e obra refletem a inquietação cultural, social e política da busca de conhecimento, em benefício da libertação do ser humano.

Em Santos, Pagu foi responsável por grandes feitos no cenário cultural: liderou a campanha para a construção do Teatro Municipal, criou a União do Teatro Amador de Santos, entre outras ações marcantes. Como podemos definir a vida cultural de Santos a partir de todo apoio dado por Pagu?

Como biógrafa de Pagu, acredito que um dos períodos de maior intensidade da sua vida foi justamente sua militância cultural. Quando se casou com o jornalista Geraldo Ferraz e veio para Santos, na década de 50, manteve intensa atividade como cronista e crítica literária, revelando grandes nomes da arte e literatura, além de se envolver cada vez mais com teatro amador, sua paixão.

Entregou-se de corpo e alma em várias frentes culturais, movida por ideais como a justiça social e a transformação da pessoa por meio da cultura. Ainda lutamos por isso, não acham? Era o seu gesto de vida.

Aqui frequentou o Clube de Arte, fundado pelo gravurista Mario Gruber e do qual participavam vários intelectuais, a maioria de esquerda. Daí se originou parte do movimento do teatro amador santista.

Participou da Comissão Municipal de Cultura, junto com outros integrantes do mundo das artes, como Roldão Mendes Rosa, Narciso de Andrade , Evêncio da Quinta, nomeados pelo prefeito José Gomes. Este tinha como chefe de gabinete o jornalista Juarez Bahia. Com o apoio de Paschoal Carlos Magno, Pagu organizou memoráveis Festivais de Teatro Amador, que revelaram grandes talentos.

Incentivou a formação de grupos amadores e de teatro de vanguarda, com autores como Ionesco e Arrabal ( em estreia mundial).

Peças do ator e dramaturgo Plínio Marcos, então estreante, seriam depois apresentadas com músicas compostas por Gilberto Mendes. Gilberto, responsável pelo histórico Manifesto Música Nova , logo depois transferiu esse movimento para Santos, criando o Festival Música Nova , que deu à cidade repercussão internacional.

O ponto de encontro, anárquico -cultural, na época, de jornalistas, atores, escritores, músicos, universitários e boêmios era no bairro do Gonzaga , no extinto Bar Regina, na Avenida Ana Costa, esquina da Praça Independência, no bar do cine Atlântico e no ex-restaurante São Paulo. Entre um gole e outro, discussões sobre teatro e cultura aconteciam.

Quando resolvi, a partir de 1987, pesquisar sobre sua vida, o seu nome era uma lembrança apagada na cidade, assim como o Jardim Patrícia Galvão, idealizado por Juarez Bahia e erigido na entrada da cidade, na base de um dos morros na entrada da cidade.

A maioria de seus amigos havia morrido e aqueles que restavam falavam pouco sobre ela, justamente por Pagu ter sido alvo de muitos preconceitos, tanto em vida como depois da morte.

A maioria de seus amigos havia morrido e aqueles que restavam falavam pouco sobre ela, justamente por Pagu ter sido alvo de muitos preconceitos, tanto em vida como depois da morte.

Já haviam me advertido também que seus parentes , especialmente os filhos, Rudá e Geraldo, não gostavam de falar sobre Pagu.

Quando consegui reunir material, documentos, depoimentos com novos dados sobre Patrícia Galvão, iniciamos , a partir de Santos, um trabalho de preservação de sua memória, da história e da cultura brasileiras, produzindo a partir de 1988 , livros, artigos, documentários ,exposições, debates, mostras de teatro. O material que reuni durante todos esses anos de pesquisa sobre Pagu se encontram no Centro de Estudos Pagu Unisanta, universidade que promove e difunde grandes ideias, no campo cultural, científico, social e humano.

Eu quis trazer à tona para todas as gerações, inspirando-as , as inúmeras facetas dessa mulher que ,em seus 52 anos foi , como esta cidade ,uma força de resistência cultural, com sua indomável teimosia, lutando , sem se curvar.

Pagu
(Foto: Divulgação)

Falando sobre o casamento de Pagu e Oswald, você acredita que essa relação tenha tido algum impacto nos desdobramentos do movimento modernista? Qual foi o legado deixado pelos dois?

Ela inicia romance com Oswald em 1929 e também um diário a duas mãos, O romance da época anarquista ou livro das horas de Pagu que são minhas. Em 1929, ela cria o Álbum de Pagu, desenhos e textos, dado de presente a Tarsila, como prova de sua admiração pela pintora. E Croquis de Pagu, que publiquei em 2004, e ficou inédito por 75 anos.
Pagu e Oswald deram tratamento literário à luta ideológica na qual se engajaram. Pagu, mulher livre e libertária, fez Oswald participar de caminhos revolucionários, que teriam expressão nas publicações de ambos nesse período. Sua união foi logo desfeita, mas a camaradagem continuou.

Pagu sempre foi uma mulher muito engajada na política e na luta operária. É possível conectarmos o movimento político com a Semana de Arte Moderna? Em qual sentido?

São movimentos que surgiram no mesmo período. Internacionalmente e no nosso país havia uma depressão econômica, causada pelas duas guerras mundiais (1919-1939) e pelo avanço do nazi-fascismo. Já no plano nacional houve a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

Na economia mundial, a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, chamado de Grande Depressão. Durante esse colapso no sistema financeiro mundial, paralisações de fábricas, falências bancárias, desemprego em massa, fome e miséria eram constantes.

Cada país tentou minimizar os efeitos da crise, ao passo que houve fortalecimento dos partidos de esquerda em choque com as ideologias, já que o mundo estava em crise financeira.

Pagu, depois de libertada, em 1940, analisaria de forma crítica e renegaria o período de militante comunista, na década de 1930, e o próprio apelido Pagu, que passou a abominar.

Em caderno inédito, fala também de si, “dos que acreditaram sem crítica” e da “ fanática gente da literatura social”.
Questionaria a literatura politizada promovida pelos comunistas, defendendo a autonomia do escritor, em balanço sobre a Literatura Moderna do Brasil.

“Confidências Modernistas em 2022” é sua próxima obra literária? O que você pode adiantar sobre esse trabalho? Já existe uma data de lançamento?

O novo livro traz documentos inéditos, à luz do centenário da Semana de Arte Moderna e 200 anos da Independência do Brasil. Um balanço do pensamento de Pagu e de outros modernistas sobre o período em que viveram, tão reverenciado e pouco conhecido. A história intelectual, cultural e política brasileira, sem papas na língua em qualquer direção, expressos por Pagu e outros intelectuais. Previsto para outubro de 2022.

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