Subnotificação médica ainda é principal barreira para doação de órgãos na Baixada Santista
Por Beatriz Pires em 02/11/2025 às 13:00
O maior empecilho para a doação de órgãos está na subnotificação médica. De acordo com a enfermeira do Serviço de Captação de Órgãos da Santa Casa de Santos, Bruna Silva, ainda há dificuldade em identificar possíveis doadores na Baixada Santista — pessoas com potencial morte cerebral.
Todo o processo acontece de forma integrada. Diariamente, é realizada uma busca ativa de pacientes com pré-requisitos para morte encefálica e, após a confirmação, ocorre uma entrevista com os familiares para obter o consentimento da doação de órgãos e tecidos. Em seguida, os profissionais notificam a Organização de Procura de Órgãos (OPO), que atua diretamente com a Central Estadual de Transplantes (Ctrans) para viabilizar a cirurgia de extração dos órgãos e, posteriormente, o transplante efetivo.
Em Santos, a referência no setor continua sendo o Hospital Guilherme Álvaro. Já em Praia Grande, o destaque fica por conta do Hospital Irmã Dulce, com base nas notificações da unidade da Organização de Procura de Órgãos da Escola Paulista de Medicina (OPO-EPM).
Só em 2024, o hospital disponibilizou 57 órgãos, incluindo 33 rins, oito fígados, dez córneas, um pâncreas, dois pulmões e três corações, além de 45 notificações de morte encefálica, que resultaram em 18 captações de órgãos.
“Para aumentar o número de doações, precisamos conscientizar cada vez mais a população sobre a importância do ‘sim’ para doação de órgãos. Também é essencial que as pessoas expressem aos familiares o desejo de serem doadoras, facilitando a decisão a ser tomada”, reforça Bruna.
O momento de contato com a família é sempre delicado. A enfermeira conta que, ao longo de sua experiência no serviço de captação, os moradores da Baixada Santista vêm demonstrando mais consciência sobre o tema — muitos conhecem alguém que já precisou de um transplante ou ainda está na fila. Mesmo assim, as dúvidas persistem.
Para orientar a população, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo disponibilizou um manual com informações e esclarecimentos sobre o assunto.
Mitos e verdades sobre a doação de órgãos
O corpo do doador fica desconfigurado após a retirada dos órgãos
Mito. A lei brasileira exige que o corpo seja devolvido em bom estado à família. Após a retirada, restam apenas cicatrizes semelhantes às de uma cirurgia.
Qualquer pessoa pode autorizar a doação de órgãos após a morte
Mito. No Brasil, apenas parentes de primeiro e segundo grau — pais, irmãos, avós, filhos e netos — podem autorizar a doação. No caso de menores de idade, é necessária a autorização de ambos os pais.
É possível doar órgãos em vida
Verdade. Desde que o doador seja saudável, é possível doar em vida um dos rins, parte do fígado, medula óssea e até parte de um pulmão, mas apenas para familiares até o quarto grau de parentesco.
“Minha religião não aprova a doação de órgãos”
Mito. Nenhuma religião proíbe a doação de órgãos. Pelo contrário, a maioria incentiva, por considerá-la um ato de amor e solidariedade ao próximo.
Uma única pessoa pode salvar até oito vidas.
Verdade. É possível extrair diversos órgãos e tecidos de um único doador, como coração, pulmões, rins, fígado, pâncreas, córneas, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem e medula óssea.
Idosos e pessoas com histórico de doenças não podem doar órgãos
Mito. Todos podem ser potenciais doadores. Exames realizados no momento da morte determinam a viabilidade e quais órgãos ou tecidos podem ser aproveitados.
Há um limite de tempo para o transplante de órgãos.
Verdade. Cada órgão tem características específicas que determinam o tempo máximo para sua retirada após a morte encefálica e o tempo limite para a realização do transplante.
Nem todo órgão é compatível com qualquer pessoa
Verdade. Diversos testes avaliam a compatibilidade entre doador e receptor. Também é feita uma análise do potencial doador para garantir a qualidade do enxerto e evitar a transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas.
Uma história real
O advogado Thiego de Souza é pai de Benício, de 11 anos. Quando o menino tinha apenas dois anos, foi diagnosticado com cardiomiopatia dilatada. Por ser assintomático, o diagnóstico só veio após um mal-estar. Foram dois anos e seis meses na fila de espera, até que surgiu um doador compatível para o transplante de coração.
“O transplante foi uma nova oportunidade de vida para ele. Não havia outra cirurgia possível para o caso dele”, conta Thiego.
Do doador, Souza sabe apenas que era um jovem de 18 anos, vítima de um acidente de moto. Mesmo sem conhecer sua história, ele se diz eternamente grato pela nova chance.
Hoje, Benício leva uma vida normal: surfa, faz capoeira e joga bola. Apesar dos medicamentos contínuos e da rotina de exames e consultas, o pai se tornou um defensor da doação de órgãos e atua em campanhas de conscientização, sonhando com o dia em que ninguém precise esperar por um transplante.