Orgulho e ativismo político: Platão conta os desafios de ser gay durante a ditadura militar
Por Noelle Neves em 16/06/2021 às 06:33
Crescer em uma família conservadora em meio a ditadura militar sendo gay foi um dos maiores desafios enfrentados pelo diretor e produtor teatral Platão Capurro Filho, de 57 anos. Filho e neto de militares e com mãe extremamente religiosa, desde cedo foi censurado por se divertir com “brincadeiras de meninas”.
“Gostava de fazer teatrinho com lençóis dentro do quarto, criava personagens com as bonecas das minhas irmãs. Gostava de pintar e desenhar. Viviam me mandando junto com meu irmão para jogar bola. Eu ia, mas ficava assistindo. Essa censura não partia somente dos meus pais, mas também dos meus irmãos mais velhos”, disse em entrevista ao #Santaportal.
Apesar de na infância já se sentir diferente, só conseguiu entender sobre sua orientação sexual na adolescência, quando se viu apaixonado por um menino e uma menina da escola. Na euforia infantil e inocência, contou para os pais e foi repreendido, afinal, só poderia gostar da garota. Foi quando entendeu que deveria esconder a atração.
“Olhava no espelho e me repreendia. Eu estava errado! Batia no meu rosto e dizia: você não pode ser assim!”
Platão Capurro Filho, diretor e produtor cultural
Aceitação
Aos 13 anos, foi abusado por um homem de 45 anos que dava carona para casa depois da escola e era conhecido na cidade. Na ocasião, o abusador parou numa rua pouco iluminada e forçou a cabeça para fazer sexo oral nele. “Ele disse que seria nosso segredo. Consegui fugir e voltei a pé para casa, mas aquele cheiro de sexo ficou grudado em mim. O sentimento de repulsa, medo, desejo e culpa me deixou bastante confuso”, contou.
A descoberta da sexualidade aconteceu lentamente a partir disso. Aos 15 anos, namorava uma menina e um amigo, outra. Posteriormente, os dois casais saíram juntos e depois de deixarem as namoradas em casa, voltaram sozinhos. De acordo com o produtor cultural, este foi um momento decisivo, pois teve oportunidade de dormir na casa de garoto.
“Foi ali que nos beijamos e masturbamos juntos. No outro dia, acordei e tentei fazer um simples carinho e falar sobre o que aconteceu. A reação dele foi como se nada tivesse acontecido. Saí dali com a certeza de que eu era gay”, lembrou.
Fim do medo e angústia
Aos 17 anos, já não morava mais com os pais. Saiu para estudar no Rio de Janeiro. Nas férias de julho, voltou e tinha colocado um brinco. Com costumes tão conservadores por parte da família, a pequena atitude deu o que falar. Foi nesse momento que se assumiu. No entanto, como resposta, recebeu a oferta de ir a um psicólogo.
Reunindo toda a coragem que tinha, respondeu: “acho que vocês é que deveriam ir para me compreenderem melhor”. Depois disso, tudo mudou. O medo e a angustia acabaram. Conseguiu se entender e se aceitar sem culpa ou remorso.
“Comecei a entender que eu era um privilegiado quando comecei a me juntar aos parecidos comigo e via que os mais efeminados não tinham a mesma sorte que eu. Dois foram expulsos de suas casas pela própria família”
Platão Capurro Filho, diretor e produtor cultural
Pedras no caminho de Platão
Além de crescer em uma família tradicional durante a ditadura militar, Platão foi excluído também na escola. Aliás, nunca era escolhido para trabalho em grupo e, muitas vezes, precisava contar com a determinação do professor para fazer com que se encaixasse.
“Vivi minha juventude na ditadura e nessa época ser gay ou travesti era ser subversivo, pessoas que atentam contra a sociedade”
As coisas não descomplicaram na vida adulta. Certa vez, enquanto saia de uma boate com um amigo, foi cercado por lutadores de jiu-jitsu. Tiveram que brigar para fugir. Na época, a mídia apelidou o “grupo” como Pitbulls, homens que saiam pela cidade espancando gays e travestis.
“A policial, quando nos via saindo das baladas, nos parava e nos chamava de ‘viadinhos’. Nessa época, estavam começando as manifestações pela redemocratização. Fui levado para a delegacia por estar panfletando contra a ditadura e em pró da democracia. Lá ouvi que ‘além de comunista, era viado”, relatou.
Platão, membro da resistência
Após se assumir para os pais, passou a frequentar reuniões de grupos GLS, como eram chamados na época. Começou a se engajar politicamente e entender seu papel no mundo, em busca de igualdade e respeito.
“Ser gay é um ato político. Ser gay e artista neste país é ser resistente, mesmo tendo consciência de que sou privilegiado por vir da classe média, ter estudado e ser branco. No momento da luta, somos iguais!”
Hoje, aos 57 anos, faz questão de agir de maneira que evidencie sempre o orgulho que tem por ser quem é. Vai com o marido para todos os lugares. Nas redes sociais, é bastante explícito e manifesta as lutas pelas causas LGBTQI+, nas manifestações políticas está sempre segurando uma bandeira do arco-íris. No condomínio, em que mora não esconde de ninguém e é síndico.
Além disso, está com dois projetos que visam ajudar a comunidade, especialmente homossexuais na terceira idade. O primeiro é de lives para o Instagram – que são postadas no feed posteriormente, onde, em cada episódio, conversa com um homem gay, cisgênero, com mais de 50 anos, sobre diversos temas, principalmente sobre a chegada na terceira idade.
Documentário
O outro projeto é de um documentário sobre homossexualidade na terceira idade. “Percebi que entre os gays maduros e solteiros a solidão aumentou. Todos que já chegaram ou estão chegando nessa fase passaram pela ditadura, pela pandemia da Aids, pela redemocratização, o avanço da tecnologia digital, as conquistas de direitos como o casamento homoafetivo, o direito de adotar uma criança, de poder doar sangue e muitos outros e agora estamos vivendo a pandemia do coronavírus”, disse.
A ideia partiu de um incômodo que sentiu ao perceber que muitos homens não tiveram a mesma sorte que ele, de estar bem e feliz na fase mais madura da vida. De acordo com ele, na terceira idade, muitos gays voltam para o armário e ainda mais quando vão para algum asilo, espaço poucas vezes preparados para lidar com a diversidade, sem falar em propostas de emprego escassas e falta de sensação de pertencimento.
“Muitos não se sentem confortáveis com o etarismo que existe na comunidade, já que grande parte só da valor para gays padrões, sarados e jovens”, disse.
Decidiu juntar todos esses temas para falar no documentário Daddy’s, que contará com depoimentos e perspectivas de outros homens na terceira idade.
Orgulho
Junho é conhecido como mês do Orgulho LGBTQIA+. Durante os 30 dias, são promovidas ações para conscientizar, promover respeito e equidade social.
“É um mês que evidência as causas LGBTQIA+, porém são 365 dias por ano de luta! Por isso me tornei um ativista de direitos humanos e LGBTQIA+. Quanto mais falarmos a respeito, mais vai se ‘tornando normal’. Os tabus vão sendo destruídos e o preconceito e discriminação evidenciados para que as pessoas heteronormativas possam refletir a respeito”, concluiu.