Magistrada cita abusos de autoridade de desembargador que rasgou multa e diz: "Não me surpreende"
Por #Santaportal em 20/07/2020 às 19:53
SANTOS – Atual desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Maria Lúcia Pizzoti, falou sobre o período em que trabalhou como juíza auxiliar enquanto o desembargador Eduardo Siqueira era titular da comarca de Santos. No último sábado (18), Siqueira se envolveu em uma polêmica ao descumprir o decreto municipal que prevê o uso de máscara e rasgou a multa aplicada pelo guarda municipal Cícero Hilário.
?São fatos lamentáveis, infelizmente envolvendo um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. É uma atitude completamente descabida e que traz sentimento de indignação, vergonha alheia a mim principalmente que sou desembargadora do tribunal?, disse Maria Lúcia, em entrevista ao Jornalismo do Sistema Santa Cecília de Comunicação.
A magistrada destaca que, durante o tempo em que trabalhou com Siqueira, a convivência entre ambos não foi fácil. Ela contou ter processado o desembargador em duas oportunidades. ?Tive contato com esse desembargador no começo da carreira, a quem tive inclusive que processar no começo da carreira, pelos crimes de difamação e injúria. Ele alegou fatos inverídicos e atrapalhou o meu processo de vitaliciedade com inverdades, eu o processei criminalmente por causa disso. Recentemente, eu precisei representar há alguns anos, na gestão do (ex) presidente (do TJ-SP) Ivan Sartori, que infelizmente por motivos que eu desconheço arquivou de plano a manifestação que envolvia fatos graves. Fui abordada de maneira agressiva e violenta, sem motivo algum, me deixando em uma situação acuada, na presença de colegas e funcionários da garagem. Achei que o decoro foi absolutamente quebrado. Representei contra ele, mas o presidente Ivan Sartori entendeu liminarmente por arquivar o expediente. Alguns dos meus contatos com esse desembargador, poucos ainda bem, foram muito ruins e mostram na verdade que a atitude dele na praia foi apenas uma reiteração e culminou, nos piores momentos, ao que ele sempre praticou?, criticou.
O #Santaportal ouviu o ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Ivan Sartori, sobre a ação movida por Maria Lúcia contra Siqueira e que foi arquivada por falta de provas. ?O desembargador Siqueira e a desembargadora Maria Lúcia trabalhavam aqui em Santos, isso décadas atrás. Eles se desentenderam aqui no Fórum de Santos inclusive. Houve uma desavença muito grande, juízes também tentaram intermediar a situação. Isso gerou uma inimizade entre ambos. Depois de anos, décadas, o desembargador Siqueira entrava na garagem, em 2012, e parece que a desembargadora Maria Lúcia apontou o dedo para ele, parece que ela falou alguma coisa e ele foi tirar satisfação. Eles entraram em uma discussão muito séria e aí a situação ficou complicada. Ela representou, mas as provas demonstravam, na verdade, que houve um desentendimento em que ambos contribuíram para isso. O início teria sido esse posicionamento da desembargadora Maria Lúcia, que teria apontado e falado alguma coisa do desembargador Siqueira. Eu ouvi o desembargador Siqueira, tentei apurar, mas na verdade não foi possível chegar a um entendimento porque não havia provas. Ela se conformou com esse arquivamento, nunca recorreu, nunca reclamou, nunca disse nada porque ela sabe que houve um desentendimento entre ambos os envolvidos nesse entrevero?, comentou.
Mas, além dos desentendimentos pessoais com Siqueira, Maria Lúcia revelou ter presenciado uma conduta inapropriada com outros profissionais da área, o que teria levado, segundo ela, o desembargador a colecionar desafetos no Poder Judiciário. ?Não me surpreende (comportamento de Siqueira com guarda municipal), porque já vi ele agir dessa forma outras vezes, com rispidez com advogados e pessoas que ele acha que estão abaixo dele hierarquicamente. Embora isso me indigne, não me surpreende. Espero que haja uma punição severa, contumaz, efetiva para afastá-lo da magistratura. A sociedade não merece ter um juiz que o julgue tendo agido dessa forma?, pontuou.
Por fim, Maria Lúcia acredita que Siqueira tenha cometido ao menos quatro crimes durante o episódio no qual humilhou um guarda municipal e rasgou a multa aplicada pela GCM. ?Existe a infração por não cumprir as determinações do município. No meu entendimento, houve quatro crimes ali: tráfico de influência, quando o desembargador telefona para o secretário de segurança municipal; abuso de autoridade, porque ele não era a autoridade naquele momento, ele apenas estava caminhando na praia; o desacato a autoridade, a quem de fato era a autoridade no momento ali, o agente municipal; e o crime de injúria, por ter chamado o agente de analfabeto?, concluiu.
Entenda o caso
Durante força-tarefa da GCM realizada neste sábado, o desembargador Eduardo Siqueira estava sem a máscara obrigatória caminhando pela praia de Santos. A infração prevê multa de R$ 100,00, por descumprimento do decreto nº 8.944, de 23 de abril de 2020, que determina o uso obrigatório de máscara facial.
Segundo informações da Prefeitura, uma equipe da Guarda Civil Municipal (GCM) abordou o magistrado pedindo que o mesmo colocasse a máscara. Diante da recusa de Siqueira, foi lavrada a multa. De acordo com a Administração Municipal, trata-se de um caso de reincidência: o desembargador já foi multado em outra data por cometer a mesma infração.
“Outro dia também me deram uma multa, eu peguei, amassei e joguei na cara dele. Se quiser eu jogo na sua cara também”, falou Siqueira. O guarda responde: “O senhor vai jogar na minha cara? Quero ver o senhor jogar na minha”.
Durante a abordagem da GCM, Siqueira ainda diz para o agente que estava lavrando a multa que iria telefonar para o secretário de Segurança de Santos, Sérgio Del Bel. “Estou aqui com um analfabeto seu aqui, um rapaz. Ele está fazendo uma multa porque tem um decreto.” O magistrado oferece o celular para que o guarda fale com Del Bel, mas o agente recusa.
Após alguns minutos, o desembargador recebe a multa, rasga o papel e o joga no chão, antes de sair caminhando normalmente pela faixa de areia.
A Prefeitura informa ainda que Siqueira também foi multado em R$ 150,00 por jogar lixo no chão, de acordo Lei Cidade sem Lixo, que proíbe o lançamento de resíduos de qualquer natureza nas praias, além de passeios, jardins, logradouros, canais e terrenos.
O secretário de Segurança de Santos, Sérgio Del Bel, informa que deu total apoio à equipe que fez a abordagem e a multa foi lavrada na tarde deste sábado (18). A Prefeitura de Santos afirma ser veemente contra qualquer ato de abuso de poder e, por meio do comando da GMC, dá total respaldo ao efetivo que atua na proteção do bem público e dos cidadãos de Santos.
A Administração Municipal também esclarece que a gestão das praias está sob a competência e responsabilidade do Município. De acordo com o artigo 14 da Lei Federal nº 13.240/2015, a Prefeitura de Santos celebrou, em 19/07/17, termo de adesão com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), por meio do qual a União outorgou ao Município a gestão das praias marítimas urbanas, inclusive bens de uso comum com exploração econômica, pelo período de 20 anos.
Outro lado
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), Eduardo Siqueira, falou na noite deste domingo (19) ao Jornalismo do Sistema Santa Cecília de Comunicação sobre o episódio no qual rasgou uma multa aplicada pelo guarda municipal Cícero Hilário, após descumprir o decreto municipal que estabelece o uso de máscaras em Santos.
Por telefone, Siqueira disse que ?todos na cidade o conhecem e sabem sobre sua conduta, que ele não é uma pessoa que costuma mentir?.
O magistrado falou que mora próximo ao canal 5 há anos e criticou a abordagem da Guarda Civil Municipal. Siqueira afirmou que não estava próximo de pessoas enquanto caminhava pela praia e que, em razão disso, não teria problema nenhum em ficar sem máscara naquele momento.
Sobre a abordagem do guarda municipal no episódio de sábado, o desembargador falou que entende muito bem sobre o que é um decreto e que isso não o obriga a usar a máscara, pois não tem força de lei.