"Foram os 13 piores dias de minha vida", diz Arlete dos Reis, presa por engano
Por Ted Sartori/#Santaportal em 21/02/2020 às 12:42
POLÊMICA – Depois de ficar 13 dias presa por engano, entre 22 de novembro e 4 de dezembro do ano passada, a autõnoma Arlete dos Reis Guimarães, de 38 anos, só pensa em Justiça e em mover uma ação por danos morais contra o Estado.
A moradora do Jardim Independência, em São Vicente, permaneceu na Cadeia feminina anexa ao Segundo Distrito Policial de São Vicente por associação ao tráfico, por causa de um engano entre os números de celular da acusada e dela, dentro de uma investigação denominada 3T, que teve como objetivo desarticular ponto de venda de drogas no bairro Sion, em Itanhaém.
A advogada Angela Regina Monfardini, que a representou, insistiu bastante para que houvesse uma melhor comparação das informações, com direito ao extrato de ligações por parte da operadora de celular. Antes, foram três pedidos indeferidos de revogação da prisão temporária de Arlete, que conta toda a história na entrevista a seguir.
Procurada sobre o assunto, a Secretaria de Segurança Pública ainda não enviou resposta. Assim que fizer, será incluída nesta reportagem.
Como foi?
A polícia chegou na casa da minha mãe em 22 de novembro chamando por mim. Eu não morava mais lá. Tinha me mudado da casa de minha mãe havia três meses. Perguntaram por mim e ela disse que eu tinha me mudado. Eles fizeram minha mãe vir até minha casa com eles. Chamaram pelo portão pelo nome do meu marido. Na verdade, nem foi pelo meu. Moro em uma casa que fica no fundo. Pediram para abrir a porta, mas eu disse que não iria, pois não os conhecia. Eram 8 horas da manhã. Uma mulher sozinha dentro de casa, como eu, não iria abrir a porta para um homem desconhecido. Foi aí que eles falaram que minha mãe estava junto. Fiquei desesperada, pois pensei que estivesse acontecendo algo com ela. Quando eu saí na frente do portão, eles disseram que eram da polícia, que precisavam conversar comigo e se poderiam entrar. Não deixaram minha mãe entrar. Ela ficou do lado de fora na calçada com outro policial, enquanto três entraram na minha casa.
E o que eles disseram?
Falaram que era uma investigação. Primeiramente perguntaram para mim se eu fazia algum depósito. E não entendi. Não sabia o que estava acontecendo. Falaram que eu estava sendo investigada, que eu tinha que comparecer até a delegacia. Não fizeram bagunça, ma revistaram minha casa. Então, disseram que eu tinha que acompanhá-los até a delegacia. Perguntei se tinha algum papel dizendo o porquê de eu ter de ir. Aí me mostraram o mandado de prisão. Eu falei: estou presa? E eles: não, você vai conversar com o delegado e qualquer coisa a gente traz você de volta. Tiraram-me daqui, minha mãe me acompanhou. Cheguei na delegacia e estava acontecendo uma operação. Nunca tinha entrado em uma delegacia. Aí o chefe da investigação perguntou se eu era a Arlete e eu confirmei. E ele me deu voz de prisão, dizendo que eu estava presa por fazer depósitos para o PCC. Comecei a questionar, dizendo que não era eu. A escrivã e eles chegaram a falar para mim: Por que você não diz a verdade e diz que é você? Como eu vou dizer se não sou eu? E disseram que tinham imagens e áudios. Se tem áudios, comparem a minha voz. Em nenhum momento quiseram me ouvir. Não prestei depoimento. Simplesmente eu falara que não era eu. E minha mãe estava super nervosa.
E o seu marido?
Consegui falar com meu marido por volta de 11 horas. Ele estava no serviço dele e ficou desesperado, pois estava em Santos (a DISE fica em Itanhaém e ela mora em São Vicente).Ele voltou pra casa, tentando entender o que tinha acontecido e correndo atrás de advogado. Saí da DISE de Itanhaém por volta de 2 e pouco da tarde, 3 horas e me levaram para fazer exame de corpo de delito. Antes disso, o delegado falou meia dúzia de palavras comigo, dizendo que aparentava ser eu, que a voz parecia com a minha, porque eu estava nervosa, que eram ligações, que tinha grampo telefônico. Expliquei que tinha comprado esse chip há pouco tempo, que não tinha como ser eu, que o mandado de prisão estava na casa de minha mãe e eu já tinha mudado meu chip para esse endereço novo, enfim, tentei argumentar e eles não me ouviram. Fui para a delegacia da Náutica 3 feminina. Cheguei por volta das 4 da tarde, só com um copo de água, na verdade, porque eles me acordaram. Colocaram-me dentro daquela cela.
Como foi até a libertação?
Nos 13 dias, meu marido correndo atrás de tudo, minha família desesperada e minha mãe em uma profunda depressão, porque a gente é muito ligada. Faz pouco tempo que eu não moro com minha mãe. E só me ouviram porque a advogada ficou em cima. Ela tentou três habeas corpus e não conseguiu. A própria advogada disse ao delegado que ele poderia pegar meu telefone e ver as ligações. Ele até questionou a advogada, dizendo que ela poderia estar fazendo provas contra mim. E em todo o momento dizendo que eu não tinha nada com isso, que minha família é de gente de bem. E com muita insistência dela, ele me ouviu. Ela foi até a empresa telefônica e pegou o extrato da minha linha. No 13º dia, ele me ouviu e ainda questionou, pois eram 30 dias e poderia ouvir até lá. Não sei de onde veio o erro, mas no dia do depoimento e que ela mostrou o extrato, ele disse que o sistema tinha atualizado e não era meu número. Mas estávamos conversando há meia hora. Antes, ele batia o pé dizendo que era eu e não tinha como errar. Eu questionei se poderia ocorrer um erro no momento em que a antena mandava sinal para vários números ao mesmo. Ele disse que sim. Embora não conhecesse, ele já trabalhava com interceptação telefônica há mais de 10 anos, que nunca tinha acontecido. E moral da história: atualizou lá e não era eu. O número da investigada tinha dois algarismos 5 e o meu só um. Nisso ele entrou em contato com o juiz para me libertar. Foram os 13 piores dias da minha vida: meu marido sem trabalhar e minha mãe em uma profunda depressão, com todos da minha família, além de mim, sabendo que eu era inocente. Até pensei que por eu ter comprado o chip no comércio de rua poderia ter acontecido alguma coisa, mas não sabia. Agora é retomar minha vida. Não está sendo fácil. Trabalho por conta própria, com marmitas fit sob encomenda.
E agora?
Agora eu quero procurar a Justiça acima de tudo, ver de onde veio o eerro: se a operadora realmente passou o número correto e a polícia se confundiu ou se a operadora passou número errado. Não tive acesso a todo inquérito, pois está correndo em segredo de Justiça, pois as pessoas dessa operação seguem presas. Não estou sendo processada, mas vou correr atrás dos meus direitos, porque foram 13 dias sem o convívio do meu marido, sem estar em minha casa, sem estar junto com minha família e minha mãe. É um trauma que eu jamais vou esquecer. É uma ferida que vai cicatrizar, mas ela vai estar permanentemente em mim. Tem dia que não é fácil, me pergunto como pode ter acontecido. Mas são tantos casos de injustiça. Só peço a Deus que a Justiça seja feita.