Família acusa negligência após morte de jovem que passou por três hospitais na Baixada
Por Santa Portal em 24/11/2025 às 05:00
A família de Nayara Alves Meng, de 28 anos, cobra respostas sobre a morte da jovem após meses de busca por atendimento médico em unidades de São Vicente, Praia Grande e Santos, no litoral de São Paulo. Moradora da Área Continental vicentina, ela morreu na última quarta-feira (19), no Hospital dos Estivadores, após sofrer uma parada cardíaca.
A causa, segundo os últimos laudos, está relacionada à falência do coração em consequência de uma infecção pulmonar que evoluiu para superbactéria, quadro agravado, segundo a família, pela demora em obter diagnóstico preciso e pelo uso contínuo e desordenado de antibióticos ao longo de sete meses.
A irmã, Talita Leôncio Meng, afirma que a cronologia de erros e omissões começou ainda em março, quando Nayara, até então saudável, apresentou tosse persistente, febre e dificuldade para respirar. “Ela já não usava vape (cigarro eletrônico) desde o início da tosse. Tratava tudo como gripe. Mas as idas aos prontos-socorros só resultavam em receitas trocadas a cada consulta”, diz.
Segundo a família, nos primeiros atendimentos no Hospital Municipal de São Vicente, não houve solicitação de exames aprofundados, apenas raio-x. Mesmo com piora evidente, a internação teria sido negada repetidas vezes. “Desde a primeira ida ao pronto-socorro pedimos exames mais detalhados, mas a resposta era sempre a mesma: ‘não temos recurso’”, relata Talita.
Mudanças de diagnóstico
De acordo com a irmã, Nayara recebeu diagnósticos distintos ao longo das consultas: princípio de pneumonia, depois suspeita de tuberculose, depois asma. “Chegaram a receitar bombinha. Ela usou por quase um mês. Os médicos mal olhavam para ela e só perguntavam qual antibiótico já tinha tomado para receitar outro”.
Em junho, com a piora da dificuldade respiratória e da fraqueza, a família decidiu buscar atendimento em Praia Grande. No Hospital Irmã Dulce, a funcionária de uma loja de roupas no Centro de São Vicente ficou internada por quase um mês. Uma tomografia detectou uma massa no pulmão e 1,6 litro de líquido foram drenados, o que trouxe certa melhora momentânea.
Um pedido de biópsia chegou a ser emitido, mas, segundo Talita, foi rasgado e descartado por um médico plantonista, que teria afirmado “não haver necessidade”, alegando que o quadro não era grave. “Mesmo com a tomografia mostrando acúmulo de massa, deram alta para tratar em casa, novamente com antibióticos. Ela piorou logo depois”, conta.
Internação tardia
Em setembro, Nayara voltou a se sentir mal e procurou a UPA Central de Santos, onde ficou internada por dez dias até ser transferida ao Hospital dos Estivadores.
A família afirma que foi a primeira unidade que realmente realizou investigação completa: broncoscopias, hemogramas diários, novos exames de imagem e biópsia. “Eles não mediram esforços. Mas já era tarde: a bactéria estava resistente a tudo”.
Nos Estivadores, ela viveu um período de sofrimento intenso. “Ela chorava muito. Os procedimentos eram dolorosos. Ficou meses com três drenos, sonda, muitos acessos venosos. Tinha medo de ser intubada e não voltar”, relembra Talita. No dia 15 de novembro, a intubação se tornou inevitável. Quatro dias depois, ela sofreu a primeira parada cardíaca. No dia 19, após sucessivas tentativas de reanimação, não resistiu.
O resultado da biópsia, confirmando a presença de um microrganismo agressivo, saiu exatamente no dia da morte.
Uso de vape
A família rebate interpretações nas redes sociais que atribuem a causa da morte exclusivamente ao uso do vape e narguilé. “Isso é um absurdo. Não iniciamos campanha em defesa do vape, e sim por Justiça”, afirma Talita.
Segundo ela, os próprios laudos médicos afirmam ser inconclusiva a causa inicial da infecção, e o aparelho pode ter sido apenas um entre diversos fatores ou sequer ter relação direta. “Ela fumava apenas em festas, nos finais de semana. Detestava cigarro comum”.
Em outubro, já debilitada e enfrentando meses de sintomas sem diagnóstico conclusivo, Nayara publicou um alerta nas redes sociais sobre os riscos do cigarro eletrônico. “Hoje estou tratando meu pulmão e aprendendo, da forma mais dura, o quanto o vape destrói o que temos de mais precioso: o ar que nos mantém vivos”, escreveu à época.
Talita reforça que atribuir tudo ao vape desvia o foco do que consideram o problema central: a sequência de atendimentos insuficientes, a falta de exames, a alta precoce e o uso prolongado de antibióticos que pode ter fortalecido a bactéria. “Negaram internação, negaram investigação, rasgaram um pedido de biópsia. A superbactéria se formou porque o tratamento foi errado por muito tempo”.
A família relata que não queria expor o sofrimento vivido ao longo dos meses, mas decidiu se manifestar após acusações infundadas nas redes sociais. “Os juízes da internet exigiam explicações. Então mostramos a verdade”, diz.
No entanto, Talita afirma que a família já acionou autoridades e pretende pedir investigações formais sobre possível negligência nas unidades onde a jovem foi atendida. “Não vamos nos calar. Minha irmã perdeu a vida esperando por um diagnóstico correto. Queremos justiça”.
O que dizem as prefeituras?
A Prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria de Saúde (Sesau), afirmou que o atendimento prestado a Nayara Alves Meng no Pronto-Socorro Central aconteceu apenas em 31 de agosto e que seguiu os protocolos recomendados pelo Ministério da Saúde, sendo conduzido por equipe médica e baseado em critérios técnicos de urgência e emergência.
Segundo a administração, Nayara passou por avaliação completa, incluindo exame clínico, verificação de sinais vitais, exames laboratoriais e radiografia de tórax. Os resultados, de acordo com a nota, não indicaram sinais de gravidade, nem a necessidade de internação imediata.
A Sesau explica que, conforme protocolos para doenças respiratórias, como pneumonia e suspeita de tuberculose, a internação só é indicada quando há sinais de emergência, como falta de ar grave, risco de infecção generalizada ou queda importante de pressão arterial. “Nenhum desses sinais estava presente”, diz a pasta.
Diante do quadro apresentado, a equipe optou por tratamento ambulatorial, com orientações para retorno em caso de piora. A secretaria também destacou que o atendimento ocorreu em 31/08, enquanto o óbito aconteceu em 19/11, no Hospital dos Estivadores, cerca de três meses depois. “Nesse intervalo, a condição clínica da paciente pode ter evoluído, como ocorre em diversas doenças respiratórias de evolução prolongada”, afirma a nota.
A Secretaria de Saúde de Santos, por sua vez, lamentou o falecimento da jovem e informou que Nayara, deu entrada na UPA Central de Santos em 1º de outubro, onde realizou exames laboratoriais e de imagem. Após análise dos resultados, uma vaga de enfermaria foi solicitada no dia seguinte. O leito, segundo a pasta, foi cedido pelo Complexo Hospitalar dos Estivadores em 5 de outubro.
O Complexo Hospitalar dos Estivadores afirmou que conduziu “todos os esforços” e cumpriu os protocolos de atendimento previstos para situações semelhantes. Disse ainda que, durante toda a internação, a paciente recebeu atendimento integral, “de acordo com as melhores práticas”, com equipes especializadas e todos os recursos disponíveis.
A instituição reforçou que informações clínicas de pacientes são protegidas por legislação e sigilo médico, mas que os familiares recebiam atualizações diárias. Também manifestou solidariedade aos familiares e se colocou à disposição para outros esclarecimentos.
Por fim, a Prefeitura de Praia Grande não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.