Vitor Cabral & Thalma de Freitas celebram obra de Johnny Alf em show gratuito

Por Blog n' Roll em 26/07/2024 às 15:00

Montagem/ Divulgação
Montagem/ Divulgação

Antes do show da Black Mantra com BNegão, que vai revisitar a fase Racional, de Tim Maia, Vitor Cabral Septeto & Thalma de Freitas apresentam Genialf no palco do Santos Jazz Festival, que está montado no Arcos do Valongo. A apresentação nesta sexta-feira (26), que tem entrada gratuita, começa às 22h.

Genialf é um tributo especial a Johnny Alf, músico apartado do devido reconhecimento à época por puro preconceito, e que foi o grande responsável pela mistura do jazz com o samba, criando os novos arranjos e harmonias que deram o tom da bossa nova, posteriormente popularizada por Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, entre outros.

“A obra de Johnny Alf carrega essa intersecção única e apaixonante da música instrumental com a música canção. Tem densidade, melodia, harmonia, o lirismo poético do cancioneiro que faz a música brasileira ser reconhecida grandiosa como ela é. Ele carrega esse lugar da dimensão da música canção e da instrumental. E trazemos isso ao palco nesse projeto”, conta Vitor Cabral.

Como funciona esse show Genialf?

Vitor – É um show híbrido, que mistura canções e a parte instrumental, justamente porque eu, como líder do grupo, acredito que a obra do Johnny Alf é justamente esse santo graal. É um tipo de música que carrega a densidade, que é harmônica, melódica, rítmica, muito cativante para a música instrumental. Como instrumentista de música instrumental, tem harmonias que são desafiadoras, mas a obra também conserva em si o espírito da canção. 

Quando se conhece a árvore genealógica da música brasileira, fica mais fácil de entender. No final dos anos 1940, Tom Jobim, Carlos Lira, todos os grandes nomes do cancioneiro popular, acompanhavam e estudavam nas aulas de Johnny Alf. 

A ideia desse projeto é justamente conseguir explorar esses dois lados, um lado que performa a música improvisada e as influências jazzísticas que ele declaradamente sempre falou, mas, obviamente, da canção popular brasileira, afro-brasileira também, os toques do candomblé.

E tudo isso com a participação da Thalma, que é uma amiga super querida, a gente vem trabalhando intensamente juntos há dois anos.

Na tua opinião, quão importante foi o Johnny Alf para a música brasileira? 

Thalma – Ele influenciou toda a galera da bossa nova a criar, ter uma linguagem, até dá para ouvir a referência do que ele criou. Se você olhar as datas de quando ele lançava aquelas músicas, você vai entender que muitos dos acertos que são conhecidos foram influenciados por ele, pelo piano dele.

Ele é contemporâneo de todo mundo, mas foi prejudicado por ser um homem negro e homossexual naquela época. Prejudicou bastante a carreira dele, não era panfletário, mas não negava a situação. Tanto que tinha capa do disco que ele, que acho super vanguarda, quando elegantemente declarou o amor dele.

Acho que isso tudo fez dele um cara de vanguarda. Ele era muito moderno, muito elegante, muito sofisticado, muito criativo, um grande pianista, um grandíssimo compositor. 

Vitor – Ele é uma figura muito, muito subestimada. Johnny Alf é o protagonista fundamental para o surgimento da bossa nova, por exemplo. Ele é uma figura que por mais que tenha se concentrado e dedicado à criação de harmonias mais complexas, da orquestração, dessa coisa que vem do jazz, trouxe muita coisa da música clássica francesa. 

Diferente do Tom Jobim ou João Gilberto, por ser um negro que tem isso no DNA dele, foi um cara que pensou em conservar, a qualquer custo, as raízes afro-brasileiras.

Não só colocando toques de candomblé na música, mas a forma de articulação da melodia, é a consciência rítmica que o afro-descendente muitas vezes tem que abandonar para ser aceito em um determinado meio, uma determinada sociedade. Então, ele preserva de uma maneira muito genial. 

Johnny Alf é de uma sofisticação histórica, tanto pelo contexto histórico, mas pelo contexto social também, você percebe que ele escolhe manter esses signos afro-diaspóricos. Numa época onde o candomblé e muita música de terreiro eram demonizados, ele faz uma música que se chama Oxum. É de uma coragem muito impressionante. 

Ele conseguiu traduzir tudo isso em canção sem necessariamente ser um militante, era uma figura muito silenciosa, muito tímida, que temia muito sofrer um certo cancelamento. 

Por que Johnny Alf é tão subestimado e muitas vezes esquecido? 

Vitor – É o racismo estrutural mesmo, principalmente no movimento da bossa nova, que era super elitista. Nem todo mundo tem muita coragem de falar sobre isso, mas era um movimento majoritariamente branco, classe média alta, hétero. 

Acho que o motivo central é esse: o cara era preto e gay numa época onde isso não era tolerado. 

Outra coisa que explica isso é o Brasil não ser um país de memória. Está começando a aprender isso agora. Acho que o Brasil ainda está engatinhando nisso. Temos uma dificuldade muito grande ainda de consagrar os nossos mestres, e esses mestres ocuparem esse lugar de panteão eterno, como acontece nos Estados Unidos. Ninguém tem problema com o Duke Ellington, por exemplo. 

O Tom Jobim conseguiu ser muito bem sucedido aqui, porque foi muito bem sucedido nos Estados Unidos. O Johnny Alf não teve essa oportunidade. Por que? Porque era preto e gay. 

Thalma – Justamente por ser um homem negro naquela época faz com que você, às vezes, não consiga montar um negócio em volta do trabalho, mas o trabalho dele tem força suficiente para sobreviver ao tempo, sobreviver à falta de estrutura, né? 

Sim. De marketing, basicamente, porque você sabe que, você que é jornalista, sabe que muitos artistas, eles ficam conhecidos por causa do marketing em volta deles.

A editora que tem os direitos da obra dele não faz um trabalho de manter o legado. Ele não deixou uma família aceitável para fazer isso. Ele tinha um parceiro, mas tiraram do parceiro dele a possibilidade de ser o herdeiro e manter o legado dele vivo e ninguém está fazendo isso também no lugar dele.

“Não tem uma máquina de marketing em volta do nome dele. Porque ele, infelizmente, não deixou os herdeiros dele, o herdeiro dele não foi reconhecido, então você não tem o direito de explorar as obras”. Thalma de Freitas

Todos os artistas têm uma máquina de marketing por trás. Para você ser uma pessoa reconhecida, não é você ter que cair no bom gosto do público. Você precisa ter a máquina do marketing pesado em cima.

Ainda bem que tem o Santos Jazz Festival para convidar a gente para poder divulgar a obra dele. Porque o que a gente faz é apresentar uma obra de um artista que a gente acha importante. Mas sem a infraestrutura do Santos Jazz Festival, a gente não teria conseguido montar esse show.

Como é para vocês trabalharem juntos nesse projeto?

Thalma – Ele é maravilhoso, totalmente excelente, super sensível, super talentoso, experiente, bem humorado. O Vitor é o meu novo grande amigo, parceiro na música.

Fiquei feliz de colaborar com ele, conhecer as bandas que ele toca, ele toca com um monte de gente legal. Estou conhecendo um monte de gente legal por conta dele.

Vitor – Trabalhei com o pai dela antes de trabalhar com ela, o maestro Laércio de Freitas (falecido no início do mês). Fiz aula com ele, era fã, um discípulo. 

Ela é tudo que a gente espera de melhor de uma cantora. Ela é uma instrumentista,  gosta da improvisação, é uma vanguardista. Assim, a gente vê diversos artistas negros nesse empoderamento, mas ela já tava fazendo isso há 15 anos. 

Faz tanto sentido chamar a Thalma, porque da mesma forma que o Johnny Alf foi um pioneiro de um lado, a Thalma também foi uma pioneira, no sentido do empoderamento preto.

A Thalma é muito uma continuação do pai dela, no sentido desses valores artísticos até um pouco românticos.

Você ficou mais de cinco anos sem fazer shows solo no Brasil, Thalma?

Thalma – A última vez que tinha tocado aqui foi em 2019, mas toquei na Casa de Francisca semana passada. Estou buscando mais lugares para tocar, porque vim trazer minha música de volta para o Brasil. Moro parte do tempo em São Paulo, parte em Los Angeles.

Meu marido mora em Los Angeles e eu moro no Brasil. E aí vou para lá, eles vêm para cá, a gente está descobrindo qual é a melhor dinâmica. Mas minha filha está estudando aqui, queria que ela estudasse português, que ela falasse português bem, então trouxe ela para estudar, fazer o ensino fundamental aqui no Brasil, basicamente.

Aí depois não sei como vai ser, depois que ela terminar o ensino fundamental, provavelmente a gente vai voltar para Los Angeles para ela fazer colegial, faculdade lá.

Qual é o seu foco para depois do Santos Jazz Festival? 

Thalma – Estou gravando duas séries, mas também faço os meus shows e estou organizando um selo / editora para lançar as minhas músicas. Mas ainda estou numa fase de administração, uma fase de pré-produção, digamos assim.

Acho que só vou começar a lançar mesmo mais para o final do ano ou ano que vem. Quero muito levar o meu som original para Santos, tocar em Santos com o meu trio, então se alguém quiser pode me procurar no Instagram.

Quais foram os três álbuns que mais inspiraram você na carreira?

Thalma – Tem um disco do meu pai que se chama São Paulo no Balanço do Choro (1980), que é icônico do choro brasileiro. Ele marca o início do choro moderno no Brasil. 

O meu pai é a minha grandíssima influência como artista. Por conta disso, são três álbuns que o meu pai fez parte, que foram muito importantes para ele. Além do São Paulo no Balanço do Choro, tem o Quem é Quem (1973), do João Donato. 

Por fim, tem uma coletânea do período em que ele substituiu o César Camargo Mariano tocando com a Elis em shows. Amo Falso Brilhante (1976), da Elis. Não sei se o meu pai participou desse disco, mas a minha mãe gostava muito dela, a gente ouvia muito.

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