'Sol de Inverno' evita clichês do tema gay com destino do homem
Por Folha Press em 18/01/2025 às 18:06
O princípio de “Sol de Inverno” é um pouco desanimador: Takuya é um jovem incapaz de se interessar pelos esportes (beisebol acima de todos) pelos quais seus colegas são apaixonados. Em compensação, ele fica fascinado quando, ao passar por um ringue de patinação, vê as garotas executarem piruetas perfeitas. É uma cena de fato atraente: elas deslizam com elegância e suavidade no gelo.
Essa atração de Takuya, no entanto, designa bem mais que o interesse momentâneo pelos movimentos suaves das garotas. Significa, desde já, que o mundo está solidamente dividido entre masculino e feminino, homens e mulheres. Como Takuya insiste e quer participar desse esporte, ele assume, desde cedo, um destino de natureza sexual que o afastará de seus colegas.
É um pouco arbitrário e muito clichê designar a sexualidade dessa maneira. Admita-se, no entanto, que esse início já aponta, na imagem, um diretor capaz, porque o plano de abertura mostra o pequeno Takuya estático no campo, enquanto a bola de beisebol passa sobre a sua cabeça.
Ele não move nem as pernas, nem as mãos, nada, enquanto seus colegas de time saem desesperados atrás da bola. Enquanto os meninos jogam, Takuya está no mundo da lua. O fato é que ele não apenas admira a patinação artística como, desde logo, demonstra talento e a resiliência que caracteriza os vencedores no esporte -qualquer que seja. Desperta, assim, o interesse do professor, que o chama a participar das aulas, e os ciúmes da jovem que era até então a favorita do treinador.
Takuya está do lado feminino do mundo. Ao menos é assim que se passa no filme. Estamos, portanto, diante de um filme gay. É o segundo título desde o ano passado, ao lado do chinês “Tudo Vai Ficar Bem”, a não se entregar ao exibicionismo por vezes um tanto agressivo e quase sempre inconsequente de práticas homoeróticas.
E é interessante notar como o diretor japonês Hiroshi Okuyama evita esse tipo de banalidade. Assim, por exemplo, não sabemos que o professor é gay até que o filme nos mostre a cama que partilha com seu companheiro. Nada mais: nem beijos e abraços. Direto e discreto. Enfim, nada que nos desvie do centro da questão que é o destino de Takuya.
Temos visto filmes queer com muita frequência oscilarem da compreensão indiferente (“Me Chame pelo seu Nome”) até a exposição mais ou menos explícita das práticas sexuais. Uma e outra funcionam sobretudo como material pedagógico-publicitário, mais do que como narrativas do afeto entre pessoas de mesmo sexo.
“Sol de Inverno” desvia-se desses modelos, e essa é talvez sua maior virtude: questionar como se manter no mundo quando o que há de mais profundo em sua sensibilidade em relação à norma que o oprime.
Nesse sentido, ele segue o mesmo caminho de “Tudo Vai Ficar Bem”, em que uma senhora se vê sozinha após longa convivência com a companheira que, subitamente, morre.
Observar que pessoas são algo mais que sua sexualidade não implica em rebaixar sua orientação sexual, mas em inscrevê-la num sujeito inteiro e complexo. “Sol de Inverno” trata gay e não gay como semelhantes, que é o que são.
Sol de inverno
– Avaliação Bom
– Classificação 12 anos
– Elenco Sosuke Ikematsu, Keitatsu Koshiyama, Kiara Nakanishi
– Produção França, Japão, 2024
– Direção Hiroshi Okuyama
– Onde ver Em cartaz nos cinemas