11/02/2025

'Sing Sing' é carregado de positividade, mesmo nos trechos mais pesados

Por Bruno Ghetti/Folhapress em 11/02/2025 às 10:27

Divulgação
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Embora sejam ambientes inóspitos e indesejados por qualquer pessoa em sã consciência, os presídios costumam ser cenários bastante atraentes no cinema. No conforto da poltrona, os espectadores apenas assistem aos perrengues alheios, de quem tem que conviver com pessoas que fizeram as coisas mais abomináveis e que precisa lidar com um sistema carcerário em geral hostil, quando não cruel.

Mas os “filmes de prisão” também falam bastante sobre a sociedade do lado de fora. É claro que a bestialidade de alguns detentos também atrai, de modo sensacionalista, parte dos espectadores, mas muito do interesse dessas obras se deve à exploração de uma faceta dos presidiários que o mundo externo não tem interesse em conhecer: o lado humano dos detentos. Suas contradições, talvez até suas razões, seu espírito solidário.

E alguns deles, como “Um Sonho de Liberdade”, de Frank Darabont, de 1994, tocam tão profundamente as plateias que se tornam cults instantâneos. “Sing Sing” nunca chega a ter o nível de adesão do público como o longa de Darabont, mas segue a mesma linha, tentando apresentar o presídio como um local terrível, mas também capaz de propiciar momentos construtivos na vida dos internos. Proporcionado sobretudo pelo amparo mútuo entre os presidiários.

O longa, dirigido por Greg Kwedar, inspira-se em uma experiência carcerária real, de um programa de reabilitação de internos por meio do teatro na cadeia. Clarence Maclin, ex-presidiário que participou desse programa, escreveu um roteiro sobre sua experiência, que foi levado à tela com o próprio Maclin no papel de si mesmo. A maior parte do elenco, aliás, também é de ex-presos que integraram o programa, o que ajuda a trazer um elemento de realidade ao filme.

Na trama, Maclin, conhecido na cadeia como Divine Eye, entra para o grupo teatral e traz ideias inovadoras. Em vez de montagens sisudas, sugere algo mais arejado, com mais conexão com os presidiários. Assim, entra em conflito com Divine G, vivido por Colman Domingo (um dos poucos atores profissionais em cena), que foi preso injustamente, mas que tenta não enlouquecer se dedicando a atuar e escrever peças para o grupo. Mas logo os dois esquentadinhos entendem que têm muito mais a ganhar caso se unam do que se ficarem em disputas pequenas, que não levam a nada.

Sing Sing é o nome do presídio em questão -o termo vem de um idioma indígena da América do Norte, mas remete inevitavelmente ao verbo “to sing”, que em inglês significa “cantar”. Ou seja, há embutido no título do longa uma certa exortação à expressão artística -“cante, cante”, que seria um modo metafórico de falar sobre o que os encarcerados precisam fazer para manter a sanidade na prisão. Não só ao encarar os erros do passado, mas também as dificuldades atuais e a falta completa de perspectivas para o futuro. A arte, nesse sentido, pode ser magnificamente terapêutica.

O filme é carregado de positividade, mesmo nos trechos mais pesados. Mas se não se centrasse tanto no confronto entre os dois Divines e se predispusesse a ser uma obra verdadeiramente focada em desvendar as demais personagens, talvez fosse um filme mais valioso. Porque é justamente esse material mais bruto, dos presidiários interpretando versões de si mesmos, que o longa traz de diferencial -tudo o mais, é melodrama prisional corriqueiro.

Chamar os presidiários não profissionais de “não atores” seria um erro, porque os que aparecem no filme demonstram claro conhecimento das convenções de uma performance. Porque apesar de eles aparecerem em cena interpretando variações do que eles mesmos são (ou foram) na vida real, não atuam com a crueza e os desacertos que os “não atores” em geral costumam evidenciar em filmes. E são todos excelentes -um espectador desavisado poderia facilmente acreditar que são profissionais.

O grande destaque é mesmo Maclin. Mas Colman Domingo tem uma atuação admiravelmente precisa, bem difícil dada a sua condição de profissional em meio a amadores. Propenso ao histrionismo, desta vez ele demonstra um enorme autocontrole. Tem a exata noção de que precisava evitar que sua expansividade dominasse o longa. Ele entende que seu personagem tem uma importante função de “escada” aos ex-presidiários reais reproduzindo suas experiências.

O que tem um efeito colateral ruim: seu personagem não nos oferece substrato o suficiente para compreendermos suas motivações. A docilidade com a qual aceita estar na cadeia sem ter cometido crimes, por exemplo, nunca é por total convincente. Mas a grandeza do ator em aceitar se esmaecer em nome dos colegas já tornam o filme digno de admiração.

Sing Sing

  • Avaliação: Bom
  • Quando: Estreia nesta quinta (13)
  • Classificação: 14 anos
  • Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose
  • Produção: Estados Unidos, 2023
  • Direção: Greg Kwedar
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