'Persona 3 Reload' dá peso ao tempo para fazer RPG sobre adolescência
Por Gustavo Soares/FolhaPress em 21/02/2024 às 19:02
O sucesso de “Persona 5“, RPG de 2016 que se tornou um dos mais relevantes dos últimos anos, fez o estúdio Atlus repensar a atenção que dá a franquia. É o que se vê agora com o remake “Persona 3 Reload”, que recupera o jogo lançado em 2006 com melhorias voltadas à estética e à fluidez do game, reciclando mecânicas que marcaram o sucesso mais recente da série.
Quando saiu no PlayStation 2, “Persona 3” foi o primeiro a combinar elementos tradicionais de RPGs com simulações de vida social. No enredo, um estudante colegial é transferido para uma escola numa cidade onde a população está sendo afetada pela “síndrome da apatia”, uma depressão causada pelas chamadas
Sombras, espíritos malignos que invadem o mundo na Hora Sombria -à meia-noite.
Nesse mesmo horário se manifestam as Personas, avatares que refletem a personalidade de cada um dos personagens, capazes de combater as Sombras.
O protagonista, por acaso, vai morar num dormitório junto de colegas agraciados com essa habilidade. E ele tem um poder especial -é capaz de controlar mais de uma Persona, e escolhê-las como um treinador Pokémon.
O mistério do enredo se relaciona com a torre que surge no local, o Tártaro, onde se desenrola a maioria da ação, entre exploração e batalhas.
Nos momentos de combate em turnos, os controles não são complexos nem exigem precisão e habilidade, mas continuam estimulantes. As Personas têm magias de fogo, gelo, vento, entre outros, e acertar a fraqueza do inimigo dá direito a uma ação bônus, o que garante dinamismo.
Nunca deixa de ser estranho que todos esses adolescentes encarem seus novos deveres de salvar o mundo com tanta naturalidade. Mas é algo que atravessa a franquia e que se justifica aos poucos, conforme o mundo real e o sobrenatural colidem.
“Persona 3 Reload” é um RPG com combate em turnos com uma mecânica que o difere de outros do gênero -o tempo. Aqui, seguindo um calendário real, até com feriados, suas ações consomem parte do dia, e é preciso gerenciar bem as escolhas.
Escolher sair com alguém depois da aula impede o jogador de realizar outras atividades durante a tarde, como estudar ou ir ao fliperama.
Essa abordagem mais realista ao tempo foi um feito e tanto para a época, aprimorando estratégias de visual novels como “Tokimeki Memorial” e “Sakura Wars”, dos anos 1990, além de casar bem com a narrativa “coming of age” -toda escolha, como na vida, tem sua consequência.
Nesse cenário, ganham peso os vínculos sociais que o jogador é capaz de manter com determinados personagens, todos representados por cartas de tarô, que dão ao jogo um charme esotérico. E investir mais em uma ou outra amizade se reflete em todo o sistema de Personas e suas diferentes categorias.
É um elenco bastante diverso, o que deixa a simulação social prazerosa. Entre as mais de 20 opções, algumas obrigatórias, há um colega de classe que se apaixona por uma professora, um casal de idosos que cuida de um sebo, um monge bêbado, todos cheios de carisma e bom humor.
Também é importante o sistema de atributos -charme, intelecto e coragem. Para aumentar o intelecto, por exemplo, é necessário responder corretamente a perguntas feitas durante as aulas, estudar na biblioteca ou trabalhar no cinema.
São interações em um ambiente verossímil, mas que não quer ser ultrarrealista como em “Cyberpunk 2077” e “Starfield”, produções de alto orçamento que não foram muito bem recebidas nos últimos anos.
Restaurantes, lojas, estações de trem, becos e transeuntes dão cor aos cenários mesmo oferecendo pouco em termos de interação.
Parte dessa vivacidade surge do próprio entendimento do espírito da época. O jogo se passa em 2009, e seus adolescentes se comunicam por SMS, marcam de se encontrar em jogos online, escutam música em MP3 players. E a internet ainda é ora elusiva, ora mágica.
A própria “síndrome da apatia”, relevante para o desenvolvimento inicial da trama, remete a fenômenos da sociedade japonesa como os “hikikomori” -expressão para pessoas reclusas, e evoca filmes de terror dos anos 2000 como “Pulse” e “Suicide Club”.
No fundo, trata-se de um jogo relativamente simples que apenas soube harmonizar suas partes. E, pela primeira vez na história da franquia, está traduzido para o português brasileiro.
Como muitos RPGs, “Persona 3 Reload” vai exigir um pouco de paciência, garantindo mais de 60 horas de jogo. Uma boa forma de encará-las é tratando o jogo como um romance longo, que vai aos poucos tomando conta do cotidiano. É só não se esquecer que o tempo passa.