22/01/2025

Grande filme, 'Anora' sabe combinar conto de fada com comédia física

Por Lúcia Monteiro/Folhapress em 22/01/2025 às 17:38

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Assim que começa o romance entre Ani e Vanya, a plateia já sabe: apesar do parentesco com os contos de fada, a história tem pouca chance de acabar bem. Em “Anora”, longa de Sean Baker que venceu a Palma de Ouro em Cannes, Ani, vivida por Mikey Madison, trabalha como stripper de uma boate de Manhattan e é escalada para atender Vanya -Mark Eydelsteyn-, milionário russo recém-saído da puberdade.

O garoto mora em uma mansão, num condomínio fechado, mas vive solto em Nova York, numa rotina que alterna festas, bebidas, drogas e videogame. Ela vive no subúrbio, e como aprendeu um pouco de russo com a avó, nascida na antiga União Soviética, consegue trocar algumas palavras na língua materna de Vanya, o que contribui para derreter seu coração.

As habilidades sexuais da gata arrebatam o ricaço: ele paga US$ 15.000 para a ter com exclusividade por uma semana. Nesse período, vivem numa festa permanente. Com os amigos, também filhos ou netos de imigrantes do leste europeu, passeiam pela região de Brighton Beach e Coney Island, num inverno luminoso.

Toda a primeira parte do longa tem a efusividade e as cores de um videoclipe eletrizante. Alguns trechos lembram “Trainspotting” (1996) e outros filmes dos anos 1990, em que uma juventude sem rumo se deixa levar nos embalos de drogas e sexo trash.

Noutras passagens, vem a mente a memória de “Uma Linda Mulher” (1990), sucesso protagonizado por Julia Roberts. Ani ganha roupas novas, torna-se moradora da mansão, viaja de jato particular para Las Vegas. Uma vez em Vegas, claro, ela é pedida em casamento -e os pombinhos se casam.

A virada surpreendente da trama se dá quando os pais de Vanya, na Rússia, ficam sabendo dos rumos da vida do filho. A narrativa ganha então as cores de uma comédia mais física, que beira o pastelão, algo que a plateia não tinha como antecipar, mesmo se antevisse um futuro triste para aquela Cinderela do subúrbio.

Padre armênio que atua como tutor do menino, Toros -Karren Karagulian- interrompe o batizado que celebrava na igreja ortodoxa para tentar anular o matrimônio de Vanya e Ani. Seus capangas invadem a mansão e pegam os dois com pouca roupa.

A partir daí, a tarefa de Mikey Madison deixa de ser somente interpretar uma stripper de 20 anos. Ela se torna uma mulher gigante, capaz de pôr abaixo a trinca de fortões. A configuração rende um punhado de lances hilários.

“Anora” é dirigido por Sean Baker, que havia feito “Tangerine” (2015) e “Projeto Flórida” (2017), histórias cheias de nuances, atentas às brutais desigualdades sociais que fazem funcionar alguns dos mais icônicos pilares do “sonho americano” -como a Disney, em “Projeto Flórida”, e a opulência nova-iorquina, agora.

Uma melancolia de fundo, anunciada desde o início do novo longa, encontra expressão maior nos instantes finais de “Anora”, que gerou certa surpresa ao conquistar a Palma de Ouro.

Um dos algozes da stripper chama atenção para o nome real da personagem, que não é Ani, cuja sonoridade remete a “any”, uma mulher qualquer, mas Anora, alguém com brilho próprio, com personalidade original.

A atuação de Madison, na corrida pelo Oscar, atinge um espectro de emoções mais amplas, da alegria juvenil ao drama existencial, passando pela raiva e pela combatividade quase cômicas. Supera-se, assim a impressão inicial da personagem, como uma gata sensualíssima e mais nada. Um grande filme.

Anora

– Estreia nesta quinta (23) nos cinemas
– Classificação 16 anos
– Elenco Mikey Madison, Yuriy Borisov, Karren Karagulian
– Produção Estados Unidos, 2024
– Direção Sean Baker

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