Falta César para salvar 'Planeta dos Macacos: O Reinado' da mesmice
Por Henrique Artuni/Folhapress em 09/05/2024 às 09:00
A César o que é de César –o chimpanzé protagonista dos últimos três filmes da franquia “Planeta dos Macacos” tinha musculatura para fazer valer o ingresso do cinema. Musculatura carismática e facial, diga-se, pela boa interpretação de Andy Serkis, cujo brilho no olhar não era ofuscado pelos quilos de maquiagem digital.
Pois a Noa, o macaco principal de “Planeta dos Macacos: O Reinado”, que estreia nesta quinta-feira, parece faltar muito feijão com arroz –ou bananas, essa fruta inexplicavelmente ausente das dietas dos símios digitais.
Tudo se passa muitas gerações após a morte de César, cujos ideais começam a ser esquecidos entre os macacos, até que a história vira lenda na memória de seus poucos seguidores.
Interpretado pelo jovem Owen Teague, mesmo com a similaridade física com César, Noa não tem fôlego ao longo da narrativa para sustentar o papel de líder que recai sobre si, após sua tribo –que nunca ouviu falar de César– ser saqueada e escravizada por outro grupo de macacos inteligentes, liderados pelo tirânico Proximus César. O vilão, que quer capturar a humana Mae, tampouco tem a força do bonobo Koba ou do aloprado coronel vivido por Woody Harrelson em filmes anteriores.
Não falta esmero aos efeitos visuais, principal chamariz do “reboot” feito há 13 anos. Em “A Guerra”, de 2017, chegaram a seu ápice com a câmera habilidosa de Matt Stevens, diretor que trocou de animal e cuida dos novos filmes do Batman.
Agora, a tarefa é de Wes Ball, à frente dos filmes de “Maze Runner”, um “Jogos Vorazes” da série B, e quem adaptará o jogo “The Legend of Zelda” para o cinema. A ação em “O Reinado” não brilha, mas parece um treinamento para o que virá em “Zelda”, já que Ball mostra talento ao encenar em grandes alturas, com os macacos escalando e pulando entre prédios em ruínas, tomados de árvores.
Se a câmera de Stevens sabia fazer closes e panorâmicas como poucos, a de Ball tem um senso de vertigem, como se vê na abertura, quando Noa tem de catar ovos de águia, criadas como pets na sua vila, e depois, perto do final, quando os símios escalam um paredão sobre um mar revoltoso.
Voltaram aqui as praias, cenários tão desoladores para a franquia desde o filme de 1968, o melhor, com Charlton Heston. O roteiro ao menos consegue mudar os ares da série, que em “A Guerra” virou um faroeste entre matas fechadas e campos nevados.
O horizonte litorâneo dá luz e escala a esse mundo em que os humanos deixaram de ser dominantes e emburreceram, tornando-se mudos e selvagens como os macacos de outrora.
Há uma razão: César era como um Moisés, que morre sem ver a terra prometida ao povo que liderou por mais de década; já Noa, como entrega o nome, é uma espécie de aprendiz de Noé, já que o dilúvio que promoverá libertará seus amigos e afogará, literalmente, os planos de Proximus.
Mas Noa, como já dito, não é um novo César, e talvez nem seja o protagonista dos próximos filmes, que estão a caminho como denuncia o gancho misterioso. A trilogia anterior se beneficiou muito de grandes elipses temporais entre os filmes, que deram a dimensão histórica daqueles acontecimentos.
Já “O Reinado”, por mais imponente que pareça o título, se passa entre pequenas comunidades dissidentes do povo de César –algo que o filme não contextualiza.
Assim como subestima Raka, o orangotango com quem Noa se junta no meio da jornada. Ele é um dos últimos da sua classe, uma espécie de guardião da palavra de César, cujas leis são deturpadas por Proximus, e também de todo o elo da civilização atual com o mundo humano. É ele quem se aproxima e acolhe Mae, a humana que Noa não aceita de imediato por ignorância.
O conceito é bom –a história do homem se repete primeiro como tragédia, depois como ficção científica.
A personagem tem uma virada que define os rumos do clímax, mas o trabalho da atriz Freya Allan, com cara de tacho, só cria antipatia.
E pior, o estranhamento entre Noa e a humana enfraquece pelo roteiro mal explicado e cheio de momentos dispensáveis –o personagem de William H. Macy, um humano que se rende aos desígnios do vilão, desperdiça o bom ator.
É curioso: até o “Planeta dos Macacos” de Tim Burton, em 2001, humanos e primatas eram ambos patéticos a seu modo, o que casava com o tom dos filmes. Com o “reboot”, o drama naturalista virou o principal para renovar a série.
Agora, macacos são até mais humanos que a humanidade, e no ringue das emoções o nocaute é sempre dos símios. O final sugere que a continuação que o próximo capítulo pode equilibrar essa relação. A pergunta crucial: precisamos? Duas horas e vinte –de um filme que pouco adiciona ao que já sabemos e para um roteiro cujo final está dado desde os anos 1960– podem ser melhor gastas em outras sessões.