Dua Lipa dobra sua aposta na disco music sem parecer repetitiva
Por Thales de Menezes/Folhapress em 03/05/2024 às 08:29
Ao anunciar seu terceiro álbum, Dua Lipa declarou que buscava algo além da disco music, com novas influências como o pop psicodélico e o “brit pop” da década de 1990. Preocupou fãs que adoraram “Future Nostalgia”, seu álbum anterior, de 2020, pedra fundamental para o resgate da disco.
Essa preocupação pode ser descartada agora, com o lançamento de “Radical Optimism”, um álbum feito para as pistas de dança da primeira até a última de suas 11 faixas. Alguma inovação ainda desponta aqui ou ali, mas nada que possa sugerir que Dua Lipa deva abdicar do trono da música dançante.
Seria equivocado, no entanto, dizer que o álbum é mais do mesmo. Se fazer todo mundo requebrar os quadris ainda é a grande proposta, há uma mudança estrutural importante. A cantora tinha adiantado que estava cada vez mais encantada com a experiência de cantar acompanhada por instrumentos de verdade.
Essa negação aos recursos tecnológicos vai totalmente na contramão deste momento em que até a voz humana é emulada por inteligência artificial. Seu produtor, Kevin Parker, tratou de tocar para valer guitarra, baixo, teclados e bateria. O resultado é uma espécie de disco music orgânica, que lembra a produção do gênero nos anos 1970.
O álbum abre com uma trinca de rachar assoalho –”End of an Era” e as já antecipadas em single “Houdini” e “Training Season”. São cartilhas de disco potencializadas pela voz grave da cantora. “Houdini”, que recorre menos às batidas em looping, é sem dúvida a canção mais bem-acabada de todo o álbum, um dos grandes hits da temporada.
Mas, ao entrar na quarta faixa, “These Walls”, o ouvinte parece arremessado a um outro álbum. Com acordes de violão e harmonia muito envolvente, é uma canção pop totalmente distante da massificação sonora que domina quase toda a parada atual. Além de ser pegajosa, tem uma extensão vocal que exige bastante, e Dua Lipa vai muito bem.
A coisa segue fora da caixa em “Whatcha Doing”, uma espécie de “proto-funk” –dançante e hipnótico, mas distante de uma pancada mais forte.
Essas duas faixas, junto com “Maria”, outra canção com violão e bateria nitidamente acústica, são as mais diferentes do disco. Nas demais músicas, inseridas no som exclusivamente dançante, também é possível ver a sutileza dos instrumentos de corda e de percussão, mas nessas três fica clara demais essa viagem de Dua Lipa no túnel do tempo.
Na turnê da cantora, duas músicas de “Radical Optimism” têm tudo para se transformarem em pandemônio na plateia –”Falling Forever” e “Happy for You”. Trazem batidas pesadas e refrão para cantar junto, quase hinos de futebol, mas para a pista de dança.
Uma caraterística do álbum o difere da tendência dos discos recentes dos maiorais do pop. Taylor Swift, Shakira, Justin Timberlake e Kanye West se dedicaram a álbuns raivosos sobre brigas com ex e tretas com a mídia e o público.
Dua Lipa opta por seu otimismo radical, e o álbum consegue segurar sozinho uma festa animada, com as suas letras solares e divertidas.
Ao relembrarmos o que Dua Lipa tinha antecipado sobre o álbum, faltou só encontrar qualquer referência ao “brit pop”. Talvez ela tenha pensado em algo do tipo porque conta em várias faixas com o multi-instrumentista Andrew Wyatt, que já produziu três álbuns da alteza “brit pop” Liam Gallagher. Mas rock mesmo ainda ficou para o próximo álbum.
Ela consegue espaço até para uma música que parece muito mais uma vinheta engraçada, “Anything for Love”, com cerca de dois minutos. Ela abre e fecha com as vozes de Dua Lipa e seus parceiros no estúdio, rindo e contando piada. É muito mais uma brincadeira do que uma canção.
Mas, ao que parece, Dua Lipa pode tudo. Aos 28 anos, lança um disco muito bom, está no topo do pop, é cobiçada pelo cinema depois das pontas em “Barbie” e “Argylle: O Superespião” e aparece na capa da revista Time como uma das pessoas mais influentes do mundo.