Dori Caymmi pretende "mostrar o Brasil um pouco esquecido" em show no Sesc Santos
Por Blog n’ Roll em 29/07/2024 às 20:00
Prestes a completar 81 anos, Dori Caymmi se apresenta, nesta sexta-feira (2), a partir das 20h, no Sesc Santos, localizado no bairro Aparecida. Os ingressos para o show estão à venda.
Mesmo com um álbum recém-lançado, Prosa e Papo, o músico focará sua apresentação no livro Dori Caymmi songbook: 80 anos de um cantador, lançado no ano passado. O songbook reúne um perfil biográfico escrito pelo jornalista Claudio Leal e um álbum com 12 violonistas e quatro cantores convidados interpretando 12 canções que compõem o disco digital.
No repertório em Santos, canções como Delicadeza, Desenredo, Estrela da Terra, Evangelho, O Cantador, Quebra-mar e Saveiros devem ser incluídas por Dori.
Filho dos também músicos Dorival Caymmi e Stella Maris, Dori acumula uma longa lista de criações ao lado de nomes estelares da música popular brasileira, um gênero que ajudou a consolidar. Sua marca nas obras de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Edu Lobo, Elis Regina, Chico Buarque e Milton Nascimento são apenas alguns exemplos da sua grande contribuição à MPB.
Em entrevista ao Santa Portal, Dori Caymmi falou um pouco sobre a apresentação, atual cenário da música e a família cheia de talentosos músicos.
Como funciona esse show que você vai apresentar no Sesc?
É um show todo em cima do songbook, um projeto que teve a participação do Danilo Miranda (finado diretor regional do Sesc São Paulo). Não pode nem falar a palavra songbook, né? Então, é um livro sobre o meu trabalho que tive a ajuda do Mário Gil na parte de gráfica e produção. E aí, cantam o Renato Braz, a Mônica Salmaso, meu irmão Danilo, entre outras várias pessoas, violonistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Em Santos, o show será com os meninos do Rio e o Renato Braz, que canta várias músicas nesse disco. As outras pessoas estão muito ocupadas.
Quais lembranças mais marcantes você tem de Santos?
Toquei muito em Santos, tinha um bar incrível, o Bar da Praia, que era do Eduardo (Caldeira). Todas as vezes foram ótimas lá, o público de Santos é maravilhoso.
Eu fiquei encantado com o Bar da Praia. Ia com a minha mulher para Santos. Íamos no Bar da Praia e voltávamos no mesmo dia.
E tinha muito medo de bar, não gostava porque no bar todo mundo bebe, mas lá era um negócio muito bonito. Fiquei muito feliz em Santos.
O que mantém esse seu apetite pelos shows?
Não gosto de excursionar, não faço muitos shows. Já havia feito o Sesc São Paulo, agora é Santos, Ribeirão Preto. Mas normalmente não sou muito do show, não. Sou mais de fazer o disco.
Nesse mês, estou impossível de aturar. Porque estou trabalhando muito. O Tom Jobim dizia “estou trabalhando mais do que eu mereço”. É bem isso. Mas eu gosto, gosto muito.
Vou fazer 81 anos este ano. A minha geração toda está nos 80, né? Mesmo os que vieram logo depois, como Ivan Lins, Djavan, o pessoal todo está perto dos 80 também. Está todo mundo chegando lá. E aí tem os mais velhos, Gil, Milton, Caetano e Paulinho da Viola. Esses estão fazendo 82.
Uma vez liguei para o Caetano e dei os parabéns, ele tinha feito 70 anos, há muito tempo atrás. E ele disse assim: “estou lhe esperando”.
Mas, respondendo sobre o desejo pelos shows, não gosto da excursão. Sou mais um músico que quer mostrar o Brasil um pouco esquecido. E o meu trabalho é muito brasileiro, tem muita profundidade. Isso não interessa também a muita gente.
Não faço um show de entretenimento, faço para tocar nas pessoas. Quero chegar mais duro, aí dou umas pinceladas. Mas não é show, é uma apresentação musical muito baseada no Brasil.
Apesar de não estar previsto para o show em Santos, queria que você falasse um pouco sobre o seu álbum mais recente, Prosa & Papo…
É um disco muito apoiado no que o papai falava para a gente na infância. Ele era muito brincalhão. Por exemplo, quando a gente estava enchendo o saco, ele falava: “entre por onde saiu e faça de conta que nunca me viu”. O Paulo César escreveu uma letra maravilhosa sobre isso. E ele botou o nome de Chato. “Vá ver se estou na esquina/ Se eu tiver, não me chame/ Não toque alto a buzina/ Que é para não dar vexame”
Outra frase do meu pai também virou música, Prosa e Papo. Ele dizia “carrapicho é mato, carrapato é bicho”. Ele brincava com a gente o tempo todo dessa forma. E aí nasceu esse disco chamado Prosa & Papo, que tem a participação da Joyce Moreno, Mônica Salmaso, Renato Braz e o Zé Renato.
São oito músicas inéditas e outras três que já cantei no disco com a Mônica Salmaso (Canto Sedutor).
Outra que gosto bastante é uma homenagem à Mercedes Sosa (Canto Para Mercedes Sosa), que pra mim é a grande cantora latino-americana.
O que é que tem na água da família Caymmi? Porque a gente vê tantos talentos gerações após gerações…
Meu pai nunca foi muito fã de ter filhos e netos artistas. Era muito sacrificante a vida do músico. Mas quando minha irmã virou cantora, eu virei músico. São 20 discos que já fiz. Danilo também tem feito shows aí.
Nós estamos até programando para ver se vamos fazer algo com uma orquestra para celebrar os 110 anos que o papai faria agora.
Não sei se é a água da família não, acho que tem mais a ver com a influência dentro de casa, sempre foi uma casa muito musical. Minha mãe era cantora de rádio, meu pai era compositor e cantor, então a gente tinha essa música ao vivo nos fins de semana, o tempo inteiro.
Tinha muita música brasileira, mas também discos incríveis estrangeiros, como Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald. A gente ouvia tudo com eles.
Quando você vai para a casa de um profissional de odontologia, o filho naturalmente será dentista. Na minha casa foi só música o tempo inteiro, não tinha como escapar.
A Alice (filha de Danilo e sobrinha de Dori) é uma nova geração, uma outra coisa. Ela é da tatuagem, essas coisas, não entendo muito disso não, não combina com o meu perfil. Mas é a nova geração.
Dori, como você vê o atual cenário da música brasileira?
Não acompanho nada muito novo. Os que escuto já não são tão novos assim, como o Renato Braz e a Mônica Salmaso, que é uma cantora extraordinária. O Sérgio Santos, compositor, cantor e arranjador, que adoro.
A mais badalada é a Mônica. Porque a Mônica, além de ser uma cantora maravilhosa, trabalhou com o Chico Buarque de Holanda. Tem passaporte melhor que esse? Eles fizeram 80 shows juntos.
As pessoas não estão ouvindo música como antes. Você tem muita cantora como Rihanna e Beyoncé Knowles, que levam bailarinos para o palco. Eu não tenho bailarinos no palco, nem combina com a minha música.
E com essa coisa de internet, celular, todo mundo tem sua posição, sua ambição, quer ter opinião de tudo, mas não é legal. Hoje, os mais jovens só querem ouvir funk, rock, rap, isso é que predomina, inclusive nas periferias.
Isso sem falar no gospel, né? Tem até padre cantando, fazendo disco, essa coisa toda. Então, acho que o momento não é bom para a música do Brasil. Tenho esperança que melhore, mas no momento não está legal.
Mas tem um lance que a minha mulher está me lembrando, que alimenta essa esperança, uma luz no fim do túnel: Caetano e Bethânia estão vendendo estádios. Isso é muito bom para a música do Brasil, me deixa muito orgulhoso de saber que existe esse público, que eles estão aí prestigiando os shows.
Você tem algum sonho pendente como artista, Dori?
Não, não sou nem artista, sou músico, adoro música. A música para mim é o que respiro, então não tenho essa coisa de artista.
Minha única vontade é mostrar um Brasil que está muito esquecido. Não falta nada dentro do meu coração. Estou me divertindo, vou fazer 81, mas continuo com a cabeça no lugar, fazendo música, compondo, tentando me manter lúcido. Quero mais longevidade possível.
Quais os três álbuns que mais te influenciaram como artista?
Canções Praieiras (1954), do meu pai, que é um disco da década de 50, que tem a capa pintada por ele.
Gosto do disco Urubu (1976), do Tom Jobim, que tem uma música chamada Saudade do Brasil.
E pra fechar a lista, o primeiro disco do João Gilberto, Chega de Saudade (1959), que também mudou minha vida. Fecho com esses três.