12/11/2024

Disco 'Jobim Canção' foge do óbvio e sugere o rigor do recolhimento

Por Sidney Molina/Folhapress em 12/11/2024 às 10:17

Divulgação
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Lorenzo Mammì uma vez escreveu que, “para Jobim, compor é encontrar uma melodia que não pode ser variada, já que ela é que é o centro estrutural da composição”, e que pode “ser colorida por infinitas nuances harmônicas”.

Arthur Nestrovski tem procurado, em diferentes trabalhos ao longo dos anos, mostrar exatamente de que forma isso se dá, e para tanto teve de somar a reflexão crítica com o mergulho no artesanato instrumental dos próprios sons.

Em paralelo com as seis videoaulas “A longa arte de Antonio Carlos Jobim” (com cinco episódios já disponíveis no YouTube da revista piauí), ele acaba de lançar o álbum musical “Jobim Canção”. Em ambos os projetos, atua ao lado da cantora Paula Morelenbaum.

Se nas videoaulas o músico-pensador é protagonista, passando virtuosisticamente do violão ao comentário-explicação eloquente e vice-versa, no disco a voz de Morelenbaum ocupa o espaço principal com doçura e personalidade.

“Jobim Canção” traz dez obras do grande compositor. Há clássicos, mas as escolhas não são óbvias. Quem acompanha as videoaulas, na quais Morelenbaum canta trechos musicais ilustrativos, muitas vezes com a melodia dobrada pelo violão de Netrovski, verá um conceito totalmente diverso no álbum: basicamente são outras canções, com arranjos meditados e sem redundâncias.

Da década de 1980 são “Você Vai Ver”, com jeito de ser mais antiga do que é, e “Passarim”, que combina perfeitamente com a voz de Morelenbaum. Ela integrava a Banda Nova de Tom exatamente nessa época. João Camarero (no violão 7 de cordas) e Marcelo Costa (percussão) ajudam a amplificar a textura dessa e de algumas outras faixas.

Entre as canções mais antigas (escritas entre o final da década de 1950 e a seguinte) estão “Caminhos Cruzados” (parceria com Newton Mendonça), “Wave” (só de Tom), e duas parcerias com Vinícius de Moraes.

Uma delas é “Eu Não Existo Sem Você”, que inclui uma emotiva participação vocal de José Miguel Wisnik, com foco em cada palavra mais do que nas frases. Mas há também a pouquíssimo lembrada “Cala, Meu Amor”, um dos pontos culminantes do trabalho.

Nela voz e violão timbram-se perfeitamente. O rebuscamento musical pleno de mediações de Nestrovski – um gaúcho-mais-do-que-paulista-, que encontra espaço para citar Rachmaninov no final da faixa, poderia não combinar com a naturalidade vocal desconcertante da supercarioca Morelenbaum. Mas combina.

Ela canta como se o espírito de Nara Leão pudesse receber camadas de cores, porém sem perder a espontaneidade. Esse repertório “é” dela.

As duas faixas instrumentais têm funções e resultados bem distintos. O “Tema de Amor de Gabriela”, executado a dois violões por Nestrovski e Camarero, pretende mostrar a música absoluta que subjaz a uma composição que transcende a forma da canção, mas arranjo e performance ressentem-se um pouco da ausência da letra, e talvez merecessem uma versão ainda mais desenvolvida.

Já “Nuvens Douradas” é um tocante solo de Nestrovski, em que a sonoridade cheia e equilibrada dos acordes, o baixo evidenciado e a melodia delicada apresentam uma peça que o Caetano Veloso dos anos 1970 desistiu de letrar.

Chico Buarque, por sua vez, é um capítulo importante de “Jobim Canção”, e recebe de Morelenbaum interpretações marcantes. “Pois É” é uma das primeiras parcerias dele com Tom, escrita quando o autor da música tinha 41 anos e o letrista 24.

A canção mais recente do álbum é “Piano na Mangueira” (1991), última parceria dos dois, composta por ocasião da escolha de Jobim como tema do enredo da escola: “A minha música não é de levantar poeira/ Mas pode entrar no barracão/ Onde a cabrocha pendura a saia/ No amanhecer da quarta-feira”.

Nos momentos em que o mundo parece apostar em “tanta mentira, tanta força bruta”, “Jobim Canção” sugere o vigor do recolhimento, das nuances que são também, desde Jobim, uma qualidade possível ao Brasil.

Jobim Canção

Avaliação: Muito bom
Quando: Disponível nas plataformas digitais
Autoria: Paula Morelenbaum e Arthur Nestrovski
Gravadora: Biscoito Fino

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