19/11/2024

Como a Netflix, sem remakes, tenta driblar a concorrência com histórias locais

Por Folha Press em 19/11/2024 às 16:23

Reprodução
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Um piloto brasileiro de Fórmula 1, um príncipe italiano e uma imperatriz austríaca. Este é o elenco que a Netflix escalou para liderar suas séries nos próximos meses, ao lado de histórias indissociáveis dos países onde fixou escritórios pelo mundo afora, muitas delas vindas dos livros, como “Cem Anos de Solidão”, da Colômbia, ou dos quadrinhos, como “Asterix e Obelix” e “Taro Sakamoto”, da França e do Japão.

Para enfrentar a concorrência e fidelizar e aumentar sua base de assinantes, hoje composta em dois terços por pessoas fora dos Estados Unidos, a principal plataforma de streaming do mercado quer que seus espectadores se vejam refletidos nas telas, a partir das histórias que o formaram, onde quer que estejam.

É a partir desse planejamento que surgem o filme “Pedro Páramo”, adaptação do romance mexicano de Juan Rulfo, e as séries “Senna”, sobre Ayrton Senna, a ser lançada na próxima semana, “Cem Anos de Solidão”, inspirado no romance de Gabriel García Márquez, prevista para dezembro, e “O Eternauta”, personagem ícone dos quadrinhos argentinos com lançamento no próximo ano.

A estratégia, que ficou evidente quando a Netflix anunciou suas próximas produções de destaque, num evento para jornalistas em Los Angeles nesta segunda-feira, parece ser a maneira que a plataforma encontrou para ter as suas propriedades intelectuais -ou IP, abreviatura para “intellectual property”, as duas palavras que mais se escutam hoje em Hollywood.

IP são as histórias e personagens de sucesso, velhos conhecidos do público, nos quais os estúdios estão se escorando para sobreviver à crise que se abate sobre a indústria audiovisual. Para citar alguns exemplos, a Warner Bros. vai lançar um novo “Super-Homem” e refilmar “Harry Potter” como uma série, a Disney prepara remakes das animações “Lilo & Stitch” e “Wall-E” com atores de carne e osso e, no Brasil, a Globo está regravando a novela “Vale Tudo”, de Gilberto Braga.

A Netflix, que começou a produzir suas próprias histórias há dez anos, não tem em seu catálogo obras que sejam antigas o suficiente para surfar a onda dos remakes, mas os executivos do serviço de streaming entenderam que o público quer ver histórias que já conhecem, num cenário de alta concorrência por atenção e pulverização da audiência.

Não é que a plataforma não esteja criando histórias originais -seara na qual o anúncio de destaque foi para a série “El Refugio Atómico”, do mesmo diretor de “La Casa de Papel”. No entanto, se a primeira série brasileira da plataforma foi uma aposta original -a distopia “3%”-, as próximas produções alardeadas com maior destaque já são familiares. Além de “Senna”, a Netflix prepara uma adaptação de “Diário de um Mago”, de Paulo Coelho, e “Pssica”, do paraense Edyr Augusto.

Há ainda a aposta em talentos e formatos consagrados no país, caso das novelas, que a Netflix chama de “série de melodrama”. A primeira, “Pedaço de Mim”, com um elenco todo vindo da Globo e liderado por Juliana Paes, ocupou por semanas o topo do ranking mundial da plataforma nas obras mais vistas de língua não inglesa.

Elisabetta Zenatti, vice-presidente de conteúdo da plataforma no Brasil, afirmou que outras séries no mesmo estilo estão em produção. “A gente tem várias em desenvolvimento. A primeira que ficar pronta a gente põe no ar. Não sei se vai chegar para o ano que vem. É difícil estabelecer uma data agora”, diz.

Por trás desse plano, está a competição com gigantes locais, algo que a Netflix deixou claro no evento, ao exibir no telão as logomarcas de suas concorrentes em cada país, com destaque para a Globo no Brasil.

De olho no sucesso de séries documentais como as de Xuxa e a das paquitas, a Netflix prepara um filme sobre o jogador Vini Júnior, que estreia no próximo ano, assim como uma série sobre o tenista espanhol Carlos Alcaraz.

Também tem inspiração em gente de verdade as séries “O Leopardo” -cujo protagonista ficcional, às vésperas da unificação da Itália, bebe da vida do nobre Giulio Fabrizio Tomasi-, a segunda temporada de “A Imperatriz” -sobre Isabel da Baviera, que foi imperatriz da Áustria- e o filme “Un Fantasma en la Batalla” -inspirado nos membros da guarda-civil espanhola que combateram o terrorismo nos anos 1990.

“O público gosta de autenticidade. Quando você tenta fazer algo para que todos gostem, acaba fazendo o que ninguém gosta”, disse Bela Bajaria, diretora de conteúdo da Netflix, acrescentando que, em segundo plano, produções locais também podem atrair estrangeiros e que os Estados Unidos está se abrindo para o que vem de fora -13% das horas assistidas no país no ano passado, ela diz, foram de títulos de língua não inglesa.

Nesse sentido, a Netflix tem encampado uma luta para convencer personalidades e escritores já milionários a escolherem a plataforma para contar suas histórias. Os executivos se deram bem com a família de García Márquez, que nunca tinha aprovado uma adaptação de “Cem Anos de Solidão”, e com Paulo Coelho, outro reticente a adaptações -ele até chegou a vender os direitos de seu maior sucesso, “O Alquimista”, mas sempre boicotou as propostas de roteiro para os filmes.

O que os executivos fizeram para convencê-los é uma incógnita na indústria. Dinheiro, afinal, todos os estúdios têm para oferecer. Zenatti afirma que, ainda que o objetivo não seja fazer sucesso fora do país, o diferencial da Netflix é levar as histórias para 190 países, com dublagem em 36 idiomas e legendas em 33.
“Ayrton Senna é uma propriedade intelectual. A família e a produtora, a Gullane, queriam fazer um filme, pensaram nisso por dez anos, mas não fizeram. Aí a gente entrou. Eles queriam muito que fosse uma produção para o mundo. Esta é a razão pela qual decidiram fazer com a Netflix”, diz a executiva.

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