18/04/2024

Alok foge dos hits e do manifesto político em disco com oito etnias indígenas

Por Guilherme Luis/ Folha Press em 18/04/2024 às 16:56

Alisson Demetrio/Divulgação
Alisson Demetrio/Divulgação

Há quase dez anos, em 2015, Alok saiu de São Paulo e viajou por 28 horas até a aldeia dos indígenas yawanawá, no Acre. Ele sofria de depressão e buscava respostas sobre o sentido da vida. Seis anos depois o DJ passou por outra crise existencial, se perguntando para onde apontava seu destino.

O futuro é ancestral, foi a resposta que alcançou. Alok transformou isso num mantra e também no título do seu primeiro disco, lançado nesta sexta-feira (19), quando é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O álbum reúne nove faixas que mesclam as batidas de Alok aos cantos entoados por representantes de oito etnias.

“Como produtor, consigo ser uma plataforma para potencializar as vozes dos indígenas e fazer exatamente o que eles querem. O disco é uma forma de reflorestar as mentes das pessoas e de ressignificar o imaginário coletivo. Quero semear ideias”, diz o músico por videoconferência.

Estão no álbum vozes das tribos huni kuin, kariri xocó, guarani mbyá, xakriabá, guarani-kaiowá, kaingang, guarani nhandewa, além dos yawanawá, que provocaram uma epifania em Alok no passado.

“Enquanto eu trabalhava para chegar às paradas de músicas mais tocadas, eles estavam fazendo canções com intenção de curar e levar sua espiritualidade adiante. Perceber isso me transformou.”

É justamente um cântico dos yawanawá que abre o disco. “Sina Yaishu” fala sobre a dedicação da tribo em ligar a ancestralidade às novas gerações. Na faixa seguinte, “Pediju Kunumigwe”, são os guarani nhandewa quem fazem apelo aos jovens, pedindo que se unam por um futuro de paz. Suas vozes ecoam por cima da mixagem de Alok.

Estas e outras faixas do álbum são cantadas nas línguas dos indígenas, desconhecidas da maioria dos brasileiros. O DJ discorda que isso possa tornar o disco cifrado e atrapalhar seu desempenho -o problema para Alok seria forçar os indígenas a traduzir os cânticos para o português.

“Eu criaria uma distância entre eles e o que querem expressar, que é a essência da parada. Como não estou preocupado com a questão mercadológica, fiquei mais próximo das raízes indígenas.”

“O Futuro é Ancestral” de fato tangencia exigências do mercado. Não só pelas línguas pouco conhecidas, mas também porque trata de temas filosóficos e de dores que atravessam grupos específicos. Em nada se parece às composições simples e repetitivas que viralizam hoje em dia, feitas a toque de caixa -e que já integraram o catálogo do próprio Alok no passado.

Não é que ele esteja despreocupado com sucesso ou alheio à indústria pop, mas agora seu anseio é outro. “Estou fazendo músicas que sejam atemporais, não me importa se vão para no top 10 ou não.”
É um movimento arriscado para o primeiro disco de alguém que passou anos colado às tendências, apostando em músicas com forte apelo comercial. Alok explodiu há oito anos, com a faixa “Hear Me Now”, e a partir dali enfileirou hits. Mas nunca se preocupou em fechar álbuns.

“Rapnativo” parece ser a faixa com mais potencial de furar a bolha pela sonoridade próxima ao que figura nas principais playlists de rap das plataformas de streaming. A voz é do rapper O?werá, indígena da tribo guarani mbyá.

Há ainda outra música de rap, com “flow” mais pesado e versos de caráter político entoados pelo grupo Brô Mc’s, considerado o primeiro grupo de rap indígena do país. Cantada em guarani, eles fazem uma súplica pela preservação das terras.

Há um recado em português. “A gente grita e ninguém nos ouve/ aprendi a sua língua, não indígena, essa é pra você/ quanta tristeza e pobreza andam lado a lado dentro de um barraco caindo aos pedaços/ passando fome, sem graça, bebendo só água suja, com a roupinha furada.”

O disco é repleto de temas políticos. Em “Manifesto Futuro Ancestral”, por exemplo, a deputada federal Célia Xakriabá, que também é professora e ativista, discursa sobre a opressão da cultura indígena. “Nós estamos sendo sufocadas pelo Congresso Nacional/ antes do Brasil da coroa, existe o Brasil do cocar/ o futuro é ancestral”.

Alok recusa a ideia de que o disco seja um manifesto político, embora diga ter incentivado os indígenas a cantarem suas aflições. “Toda vez que se toca nessa parada [política], você cria muros e separa cada vez mais. Tenho lugar na pluralidade, não quero mais divisão. Um dia eu toco com os indígenas na sede da ONU e no outro estou em rodeios. Se é dito que aquilo é uma manifestação política, o outro vai se recusar a ouvir, e isso é tudo o que não quero.”

Ele evita tomar lados. Ainda que tenha ido a Brasília protestar contra o marco temporal em 2021, ele nunca criticou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que afirmava ser contra a demarcação de terras indígenas. No ano passado, o DJ publicou um vídeo para desmentir o rumor de que teria discursado contra o político num show.

À época das eleições, quando artistas se dividiram entre Lula e Bolsonaro, ele também se absteve. “Tento deixar as pessoas livres para se expressarem. Quando a Célia lançou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, no Congresso Nacional, ela me convidou para ir lá. Mas eu não queria ir. Aí ela me disse ‘Alok, eu ainda preciso de homem branco para falar com quem é branco.'”

O cantor e ator Mapu, que é líder espiritual dos huni kuin, faz coro à deputada, e diz ver Alok como uma ponte entre a floresta e a humanidade. Ele, que canta sozinho em “Yube Mana Ibubu”, a quarta faixa do disco, vê avanço na forma como a cultura indígena é tratada hoje em dia, apesar de ter ressalvas.

“Às vezes a gente chega em algum lugar e as pessoas falam ‘vocês são canibais’. Poxa, essa história está muito distorcida, tem muita desinformação ainda. Mas agora estamos quebrando barreiras com nossa tradição.”

Ele foi um dos 50 indígenas que Alok reuniu em um estúdio de gravação em Minas Gerais. O DJ conta ter desembolsado mais de R$ 4 milhões com todas as despesas do projeto, e diz que vai doar aos indígenas todo o dinheiro arrecadado com os royalties do disco.

“Fazer o álbum é o mais barato. Mas há os custos de levar a galera toda para a ONU duas vezes, depois para o Grammy Museum, dar trator, dar casa. Porque não adiantava a gente investir num projeto e não cuidar das pessoas que cantam. O cara iria ao palco da ONU sem ter uma casa para morar?”

Alok é um dos poucos DJs brasileiros que pisam em espaços de tanto prestígio mundo afora. É hoje o principal nome do gênero do país.

Para Paul Manzon, agente musical que trabalhou com Alok no início da sua carreira, o sucesso dele se deve a vários motivos.

A começar que Alok gravava vídeos para contar sua história, o que gerou identificação imediata no público. Segundo, ele fez remixes de artistas populares, como Chitãozinho e Xororó. Por fim, o DJ tocou em muitas festas de sertanejo do Villa Mix, espalhadas pelo interior do país, conquistando um público desacostumado à música eletrônica.

“No meio, dizem que o Alok se vendeu ao que é comercial, mas não. Ele traçou um objetivo e alcançou”, afirma Manzon. “Antes dele, muitas pessoas não sabiam quase nada sobre DJs, achavam que era coisa de gente drogada. Hoje elas entendem.”

O futuro é ancestral

Quando: Disponível nas plataformas digitais nesta sexta (19)

Autoria; Alok

Gravadora; The Orchad e Coleção Som Nativo

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