'13 Sentimentos' tem como valor a confusão entre o real e imaginário
Por Sérgio Alpendre/Folhapress em 13/06/2024 às 10:44
Na vida contemporânea, há uma grande dificuldade de se trabalhar com nuances. Tudo é isso ou aquilo, fascista ou comunista, bom ou ruim, quando não péssimo ou ótimo. No cinema, e no brasileiro em especial, há também a dificuldade de seguir um meio-termo entre um filme comercial e um filme, digamos, autoral. Em ’13 Sentimentos’, Daniel Ribeiro procura essa coluna do meio, mas acaba pendendo para o lado mais comercial da força. Ele explicita o seu metiê de cineasta numa trama arquitetada com alguma inteligência na busca de leveza e comédia.
Essa feição faz com que o filme se pareça uma variação de “Confissões de Adolescente”, o simpático filme de Cris D’Amato e Daniel Filho, com os personagens agora adultos e com outra orientação sexual.
Trata-se das peripécias de João, um jovem cineasta de 30 e poucos anos, vivido por Artur Volpi, que vive às voltas com produtores que detestam arte e com outros homens com quem ele quer se relacionar em algum nível, após ter se separado, contra sua vontade, do último namorado.
O filme procura efeitos espertinhos em duas frentes: para dar conta das relações em tempos de aplicativos de paquera e redes sociais; para misturar o filme que estamos vendo com o roteiro que João escreve.
Normalmente esses efeitos mais irritam do que impressionam, mas de algum modo o diretor consegue deixá-los condizentes com o tom geral dos encontros, procurando evitar a impressão de que os efeitos sejam postiços à trama.
Depois de alguns minutos, a segunda frente passa a ser dominante, com a outra se encaixando dentro dela em alguns momentos específicos, normalmente quando o protagonista entra nos aplicativos de paquera.
Muito dialogado, mas não ao ponto de se anular como cinema, ’13 Sentimentos’ tem algumas falas meio artificiais, o que, nesse caso, é o preço a pagar pelo efeito literário perseguido, na maioria das vezes, com relativo sucesso.
Pode-se objetar o ambiente em que João circula, de bem-nascidos da pequena burguesia cultural de São Paulo. Mas por que se pode gostar de uma comédia romântica heterossexual nesse mesmo ambiente e não de uma homossexual? Woody Allen, o rei do gosto médio, que o diga. Não é a pobreza ou a riqueza dos personagens que importa. É a maneira como eles evoluem na trama.
João é um operário do cinema. Faz vídeos institucionais para pagar as contas, enquanto tenta realizar seu primeiro longa. Envolve-se com homens bem mais ricos que ele. E acaba encontrando refresco para o bolso na direção de filmes pornôs amadores.
As coisas parecem se misturar em sua vida, com a imaginação sempre prestes a invadir o real. Mas o que seria imaginação e o que seria real numa obra de ficção? Não estamos no terreno do imaginário, por mais que haja traços de autobiografia? E, ao mesmo tempo, não é tudo real? Essa confusão é o maior valor deste filme.
Como em “Providence”, 1977, longa espetacular de Alain Resnais, o mundo dos personagens e o mundo do criador começam a se alternar de um modo que chegamos a nos questionar sobre o que estamos vendo, mas nunca ao ponto de perder o chão.
Claro que Ribeiro está muito longe do diretor francês, na ambição e no tipo de cinema que faz. Na tentativa de comunicação com um público muito maior e mais variado, o que nunca foi e nunca será, em si, um defeito, está mais próximo de um Richard Linklater, embora essa comparação também não lhe seja muito favorável.
Podemos ainda pensar numa atualização do cinema paulista dos anos 1980, de “Onda Nova”, 1983, de José Antônio Garcia e Ícaro Martins, ou “Anjos da Noite”, 1987, de Wilson Barros, sem a saudável selvageria desses filmes.
Um clima pudico domina, como pedem as plateias jovens de hoje, tirando a transa final, que se assemelha a um “soft porn” pela maneira como é filmada.
De todo modo, o homoerotismo só vai chocar homofóbicos, ficando bem abaixo da carga explosiva de um filme explícito e muito rigoroso na direção como “Vento Seco”, de Daniel Nolasco, por exemplo.
’13 Sentimentos’ tem um final charmoso e coerente. Não apaga as inúmeras concessões do estilo e seu desejo desesperado de ser fofo, mas ajuda a melhorar a impressão sobre o todo.